O fluxo migratório tem deixado marcas no país e Viana do Castelo, não é exceção. No início, o distrito viu muitos dos seus habitantes, principalmente, das freguesias do interior emigrarem mas, no final do séc. XX e princípio do séc. XXI, tornou-se também um local de destino de população estrangeira que, pela diversidade de nações que representavam e consequente diversidade cultural, levou à criação de estratégias de apoio à sua integração na comunidade. As aulas de português aos imigrantes são exemplo disso mesmo.
Iracema Domingues e Madalena Reis são professoras, mas que dão aulas de português aos imigrantes que chegam dos mais diversos países.
Numa componente voluntária, Iracema considera as aulas “um serviço de cidadania ativa” com um papel “muito importante” na integração dos imigrantes através da componente da língua, não só dirigido aos mais jovens, como àqueles que procuram o distrito para se aposentar. “Não discriminamos ninguém. Os mais jovens, os mais idosos, os que têm grau académico elevado e menos elevado, são todos bem-vindos às aulas”, salientou, explicando que as aulas, promovidas pelo Banco Local de Voluntariado de Viana do Castelo, também surgiram como “complemento” aos cursos Português Língua de Acolhimento (PLA), promovidos pelo Governo, na Escola Secundária de Monserrate, onde Madalena Reis é professora. “O meu papel é dar aulas de português aos adultos e aos jovens que chegam cá. No entanto, este português é de integração e não tão técnico como o que é dado nas escolas”, explicou Madalena durante a Festa da multiculturalidade, uma iniciativa da biblioteca escolar com a colaboração das coordenadoras dos diretores de turma e das responsáveis pelo projeto internacional GloBe – Global Learning for Sense of Belonging.
Com “cerca de 130 imigrantes” a frequentar as aulas do Banco Local de Voluntariado, Iracema confidencia que o projeto tomou uma dimensão que “superou as expectativas” e, hoje, para além de Viana do Castelo, também Caminha, Ponte de Lima e Arcos de Valdevez, têm imigrantes que recorrem às aulas de português.
Para além das aulas, a Câmara Municipal de Viana do Castelo criou uma dinâmica de intervenção social para “acompanhar e orientar os imigrantes” que escolheram o concelho para morar. Segundo Iracema, “as grandes dificuldades” são a habitação e o emprego. Um estudo promovido pela autarquia em setembro de 2022, comprova essa realidade. “Foi possível apreender que as dificuldades no acesso ao mercado de trabalho passam pelos processos de regularização junto do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) que, por sua vez, atribui a causa destas dificuldades ao elevado número de pedidos e à falta de documentação necessária por parte dos migrantes”, refere o documento, continuando: “Uma outra grande dificuldade verificada relaciona-se com a habitação, pois quase metade dos imigrantes inquiridos apontou essa dificuldade, por escassez de oferta, nomeadamente um elevado valor das rendas, exigências de fiador e cauções também elevadas, para além da discriminação.”
Já Madalena Reis considera que “o maior desafio” para qualquer imigrante é a língua, porque “é o maior vínculo de comunicação”. “A falta do domínio da língua provoca insucesso escolar”, apontou. No entanto, a língua inglesa tem mostrado que “nem tudo está perdido”, embora possa gerar algo comodismo. “Os indianos, por exemplo, falam inglês e, nas escolas, acabam sempre por encontrar quem fale com eles e, por isso, demoram mais tempo a aprender a língua. Como conseguem comunicar e até criar laços, acabam por fazer as aulas com mais calma”, exemplificou, evidenciando o acolhimento do país que só recebe. “Nós somos um país acolhedor, não só através das escolas como da população em geral. O próprio Estado tem essa consciência e, por isso, ao contrário dos outros países, dá nacionalidade portuguesa a quem reside aqui há cinco anos”, afirmou, defendendo ainda que “é preciso saber o funcionamento das instituições, porque há outros problemas com que os imigrantes se deparam no seu dia-a-dia, e é por isso que a escola também dá apoio nesse sentido através de algumas parcerias, dando respostas às suas necessidades”.
Uma das outras conclusões apresentadas no estudo, e que as professoras também referem, indica que a população imigrante que escolheu Viana do Castelo como destino, “é bem qualificada (…), mas é o país/região de acolhimento que retira vantagem de poder beneficiar de um nível de recursos humanos para o qual não teve custos, quer na formação inicial, quer a nível de qualificação profissional”. “A requalificação das pessoas é muito importante. Muitos deles chegam ao país como engenheiros e estão a trabalhar como eletricistas. É preciso fazer alguma coisa neste sentido porque, desempenhando funções ao nível académico que têm, motiva-os a ficar cá”, defendeu Iracema, apelando à necessidade de parceiros e à sensibilização das autarquias. “Grande parte das empresas aqui em Viana necessitam de mão-de-obra e, muitas vezes, recorrem a estas pessoas. No entanto, muitas delas têm requalificações superiores, mas, infelizmente, não são reconhecidas. Portanto, trabalham em fábricas como mão-de-obra não qualificada”, lamentou Madalena.
Atualmente, as aulas de português dadas na Escola Secundária de Monserrate, contam com cerca de 30 nacionalidades com alunos de África (Marrocos, S. Tomé e Príncipe, África do Sul, Guiné e Angola), da América (Venezuela, Argentina, Colômbia, Canadá e Brasil), da Ásia (China) e da Europa (Inglaterra, França, Andorra, Suíça, Espanha, Itália, Bélgica, Luxemburgo e Alemanha).
O feedback dos alunos não podia ser melhor através da “participação ativa”, não só nas aulas como nos eventos promovidos pela autarquia. “Eles procuram em Viana, acima de tudo, segurança, estabilidade e paz. Os mais jovens querem proporcionar aos filhos uma educação com mais qualidade. Primeiro vem o pai e, mais tarde, traz a família. Ou seja, querem encontrar uma vida com qualidade que não tinham nos países deles, e assegurar o futuro para os filhos”, frisou Iracema, confidenciando que ser professora voluntária mudou a sua perspetiva sobre o que é ser imigrante “num país (Portugal) que tem condições efetivas de poder apoiar aqueles que têm de se deslocar para outros países pelos mais diversos motivos”. “Os estrangeiros desconheciam a forma como acolhemos e nos entregamos para promover a língua e o país. Eles próprios reconhecem que, nos seus países, não fazem este tipo de acolhimento para integrar quem escolhe o seu país para morar”, referiu. “A maioria dos alunos está contente e feliz por estar cá porque, primeiro, as circunstâncias dos seus países eram difíceis ou por questões económicas ou de segurança, e, em segundo lugar, porque procuram uma vida melhor”, frisou Madalena.
No estudo desenvolvido pela autarquia, “a maioria dos imigrantes inquiridos gosta de morar na cidade e no concelho por qualidade de vida, tranquilidade e segurança, e planeia ficar no país e na região”, embora verifique “alguns constrangimentos”, entre eles, na integração e na questão dos transportes. Os alunos imigrantes da Escola Secundária de Monserrate confirmaram isso mesmo. Sentem-se acolhidos e asseguram que se têm adaptado “bem”. As “maiores dificuldades”, para além da língua, são a diferença cultural e o clima.
Já os alunos do Brasil foram mais longe e saíram do seu país “por uma questão de sobrevivência” com o objetivo de “procurar uma vida melhor”. “Sentimos muitas saudades das nossas famílias e amigos, mas estamos a viver situações difíceis”, acrescentou, confidenciando a vontade de regressar a casa.
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