Alterações climáticas e demografia prejudicam vindimas

Regressou a Ponte de Lima para coordenar um projeto de reabilitação da Adega Cooperativa de Ponte de Lima. “Pessoa muito ligada à terra”, Maria Celeste Patrocínio, de 77 anos, natural de Refoios do Lima, fala da necessidade de valorizar o trabalho dos agricultores e de como as vindimas não vivem fora das consequências dos problemas estruturais do país.

João Basto
6 Out. 2023 4 mins
Alterações climáticas e demografia prejudicam vindimas

“Acho que não vamos ser individualmente capazes de…”. A voz falha a Celeste Patrocínio. O tema é a dificuldade na gestão dos recursos hídricos. “Há dias, a chuva que veio foi muito boa, porque as uvas estavam em stress hídrico”, comenta. Mas, segundo explica, “estamos a perder uma oportunidade”. “Fala-se, mas depois, na prática, não se vê assim nenhuma medida a ser posta em prática”, esclarece. Os incêndios frequentes, a falta de uso dos caminhos rurais e florestais, e as terras abandonadas, têm, nas suas palavras, promovido uma perda substancial de água. “Não há aproveitamento da água: não se rega as vinhas, nem os campos, nem os hortícolas, e, portanto, perde-se a água”, explica, não deixando de pontuar que também o calor intenso, originando fenómenos como o “escaldão”, têm dificultado a gestão da vindima e do cultivo das uvas.

Mas é também um problema demográfico, o que agrava as consequências que as mudanças ambientais fazem sentir sobre os territórios. Além das saudades que diz sentir dos sócios mais velhos, com quem, diz, estabeleceu “uma ligação estreita”, Maria Celeste nota que o envelhecimento populacional tem levado à falta de transmissão de conhecimentos. “A renovação geracional existe, mas é diferente, porque o espírito é diferente”, afirma.

Segundo explica, a falta de capacidade de captação de novos agricultores deve-se, não só ao baixo rendimento do viticultor, como a um novo perfil de investimento, nomeadamente ao nível do turismo. “Como se pode ter turismo rural, se não se trabalha a terra? Acho que não são valorizados o impacto e a importância desta dimensão da economia, mas, também, no cuidado da terra por si mesmo”, declara, apesar de saudar o trabalho que “algumas micro e pequenas empresas” têm feito, promovendo “o cultivo das vinhas e da terra, assim como a limpeza dos montes”. 

Segundo vinca, “cultivar a terra, reter a vinha, tratar e cuidar dela” não é apenas um gesto de interesse próprio, mas de interesse coletivo. 

Celeste Patrocínio vai mais longe: “Quem trabalha, não recebe o que é o suficiente e o que é justo”. Apesar de afirmar que a Adega Cooperativa de Ponte de Lima está a pagar a uva um pouco acima do valor de mercado. “O vinho devia subir de preço, porque senão, dentro em breve, os nossos jovens não vão dar continuidade. Ninguém vai trabalhar a terra se não tiver um rendimento compensador”, detalha. “O vinho não tem o preço que devia ter. Nem nas exportações. Nem no mercado interno”, clarifica.

Hoje a ocupar o lugar cimeiro na Adega, Celeste chegou “sem quotas, sem uvas e sem vinho”, à gestão da empresa, o que levou o pai a adverti-la para o risco de trocar um lugar na “administração pública central do Estado” pela incerteza em que se encontrava a vida financeira da cooperativa limiana. 

Apesar de trabalhar em Lisboa “praticamente desde sempre”, conta que, ainda assim, “tirava férias em setembro”, porque gostava da época das vindimas. Na infância, o pai obrigava-a “a apanhar vagos”, aí aprendeu a encantar-se com “os bonitos cachos de uvas”, e hoje alegra-se com ter ajudado a adega a recuperar a confiança entre sócios, fornecedores e clientes. Da gestão da equipa de que faz parte deve-se, também, o início do processo de internacionalização, que, hoje, vai para lá dos 20%. Tudo para continuar a promover o processo “não há pressa”, nem “nenhum passo é ultrapassado”, para assegurar “um vinho de excelência”.

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