O Corpo Nacional de Escutas (CNE), organismo máximo do escutismo católico em Portugal, está a divulgar às suas unidades regionais e locais, segundo avança o Observador (órgão de comunicação social), um “posicionamento institucional” sobre os temas da “afetividade e sexualidade no programa educativo do CNE”, documento no qual clarifica que o movimento escutista tem as portas abertas a jovens de todas as orientações sexuais e expressões de género.
O posicionamento institucional, que resulta dos trabalhos do projeto “Entre Linhas” – criado pelo CNE em 2020 para pensar as questões da afetividade e sexualidade no âmbito do escutismo católico –, inclui um extenso glossário com explicações sobre termos como “orientação sexual”, “afetividade”, “sexualidade”, “sexo”, “intersexualidade”, “género” ou “incongruência de género”. “Não há vida plenamente humana que não integre a sexualidade”, lê-se no documento.
No posicionamento institucional, o CNE, que é descrito como um “movimento de educação não-formal de crianças, adolescentes e jovens, segundo o método escutista proposto por Lord Baden-Powell of Gilwell, à luz do Evangelho e no cumprimento da sua missão”, assume-se como “membro de uma Igreja sinodal que se abre à escuta de todos e que com todos quer caminhar”.
Além disso, o CNE afirma que “crê no amor incondicional de Deus por cada uma das suas filhas e filhos, na verdade e singularidade da condição existencial de cada um”, em que “se inclui também a orientação sexual”.
O movimento escutista quer “ajudar crianças, adolescentes e jovens a desenvolver um projeto pessoal de vida, no encontro com Jesus Cristo, de modo a que se tornem cidadãos capazes de assumir uma posição construtiva na sociedade e comprometidos na constante transformação do mundo, à luz do Evangelho”, ao mesmo tempo que “entende que o ser humano é um ser sexuado e que a vivência da afetividade e da sexualidade é uma dimensão constitutiva da pessoa, abrangendo a totalidade da sua existência”. Por isso, o CNE diz defender “que a sexualidade humana deve ser pensada a partir de todas as dimensões constitutivas da condição humana”, reconhecendo o “contributo da afetividade e da sexualidade para um projeto de vida feliz e não ignora a existência de situações de dor, de sofrimento e de exclusão”.
Apesar da abertura conceptual à diferença, o posicionamento do CNE mantém a sua coerência com a doutrina da Igreja católica, acreditando “na riqueza do sacramento do matrimónio, fundado na relação homem-mulher, como lugar aberto à vida”, mas “reconhecendo, porém, que a vivência cristã do amor não se esgota neste tipo de união”. “A expressão sexual do amor é também querida por Deus no contexto do amor autenticamente humano”, diz o documento.
O CNE aproveita ainda este documento para sensibilizar “os seus membros para as situações de sofrimento de pessoas com diferentes orientações sexuais, decorrentes dos processos de construção da sua identidade pessoal”, bem como para repudiar “todos os comportamentos agressivos e de discriminação injusta, nos relacionamentos interpessoais, afetivos e sexuais, quer no âmbito do CNE, quer nos contextos familiares e sociais, reafirmando que cada pessoa deve ser acolhida e respeitada na sua dignidade, independentemente da própria orientação sexual”.
Em declarações ao Observador, o Pe. Luís Marinho, que foi o assistente nacional do CNE durante os últimos dez anos e que termina este sábado o seu mandato, explica que o objetivo da produção deste posicionamento institucional é o de “colocar um instrumento concreto para agora a associação delinear caminhos de aprofundamento e de concretização”. “Este texto, no fundo, sintetiza uma reflexão feita de muita escuta, de muito estudo, de muitas sensibilidades, de muitas áreas científicas, da teologia, da teologia moral, da antropologia, da antropologia teológica, da sociologia, da psicologia, da neurobiologia”, diz o sacerdote responsável por acompanhar a nível nacional o escutismo católico. “Daqui para a frente, hão de vir outros instrumentos.”
“O documento publicado reclama de todos os dirigentes do CNE uma atitude de escuta e acolhimento para melhor desempenhar a sua missão”
Henrique Amorim, chefe regional de Viana do Castelo, considera que o documento é “um precioso contributo para um caminho de uma vida feliz, ajudando os escuteiros a que permitam que também a dimensão afetiva da vida seja iluminada pela pessoa de Jesus Cristo”. “Na verdade, não é difícil constatar que a raiz identitária do CNE (a sua pertença à Igreja católica) não é muitas vezes convocada para dar sentido à configuração da identidade pessoal no que à afetividade e sexualidade diz respeito. Está bastante claro que, no meio de tantas polarizações na sociedade e na Igreja, o CNE quer prestar atenção à nossa missão de educadores: não deixar os jovens sozinhos, isolados nas suas questões, nem apenas entre eles, nem apenas com especialistas. Mas sermos interlocutores credíveis, rosto de uma Igreja que acompanha, cuida e propõe”, defende, salientando que “clarificando conceitos e identificando pontos essenciais (e tantas vezes ignorados) da experiência de seguimento de Jesus Cristo, o documento publicado reclama de todos os dirigentes do CNE (em que se incluem os Assistentes de Agrupamento) uma atitude de escuta e acolhimento para melhor desempenhar a sua missão de educadores enviados pela Igreja”.
De acordo com o dirigente, a Região de Viana do Castelo, como no resto do país, vai “procurar aprofundar o conteúdo do documento, divulgando-o e dialogando sobre ele”. “Certamente haverá formação mais aprofundada – em consonância com todo o CNE – para, serenamente, fazermos com que esta reflexão se traduza numa melhor prática escutista e eclesial. Não se trata, portanto, de nenhuma alteração dos nossos regulamentos, mas de um aprofundamento da nossa missão de acompanharmos o crescimento integral das crianças e jovens que em nós confiam, sem qualquer pré-condição, a não ser a disponibilidade para se confrontarem com a nossa proposta educativa”, afirma, confidenciando que não tem nenhum conhecimento de alguma prática discriminatória na Região. “Uma ou outra situação que possa eventualmente ter algum enquadramento no conceito deste documento, nesta fase ainda embrionária, foram avaliadas e aconselhadas numa atitude de diálogo e ponderação, com a serenidade necessária e adjacente da situação”, terminou.
“Todos vamos conseguir aceitar todos”
Francisco Barreto tem 21 anos, dos quais 16 são ao serviço do CNE. Enquanto Caminheiro, o jovem crê que o CNE está a evoluir ao aceitar “toda a gente”. No entanto, reconhece as dificuldades. “Será certamente um processo longo devido ainda termos mais chefia à moda antiga ou mais conservadora. Mas, no final, todos vamos conseguir aceitar todos”, salientou, admitindo que nunca sentiu algum ato discriminatório. “Já li alguns artigos sobre este tema e soube que um colega meu já esteve num debate sobre esse tema contra um chefe conservador”, contou.
(Todos) têm um lugar no escutismo
Maria Vieira, pioneira de 17 anos, acrescentou que “o facto de o CNE ter comunicado esta abertura a todos, independente da orientação sexual e identidade de género foi necessário para que aqueles que achavam que não eram bem-vindos na comunidade, percebessem que tem um lugar no escutismo”. Apesar de “nunca” ter sentido que existisse qualquer prática discriminatória com ninguém, afirmou que “é longo o caminho de toda a gente conseguir perceber a importância de acolher e aceitar uns aos outros”.
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