Schelter On, um abrigo seguro que dá dignidade aos mais vulneráveis da rua

“Schelter On” é um projeto da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC), que visa dar um "espaço digno" para pessoas sem-abrigo em “vulnerabilidade extrema”. 

Notícias de Viana
27 Out. 2023 6 mins
Schelter On, um abrigo seguro que dá dignidade aos mais vulneráveis da rua

Bruna Freire é arquiteta desde 2018, e é a estudante responsável pela criação deste projeto, com o apoio do Grupo de Trabalho em Design, composto pelos docentes Rosa Venâncio, Manuel Rivas, Liliana Soares, Ermanno Aparo, Rui Cavaleiro e Jorge Teixeira, da Methamorphys (associação que desenvolve trabalho na área social), do Gabinete de Atendimento à Família e da Câmara Municipal de Viana do Castelo.

Quis fazer o mestrado fora do Brasil e escolheu o IPVC para “aplicar e ampliar (…) [os seus] conhecimentos em arquitetura e design”. “Hoje, ao andar pelas ruas de Viana do Castelo e de todo o país, podemos ver diversas pessoas em situações precárias, sem, ao menos, ter um teto para dormir nas noites frias de inverno. E é por esta necessidade que surge o projeto ‘Schelter On’”, contou a estudante, confidenciando que o projeto, para se tornar diferencial, exigiu “um longo período de pesquisa”. 

O desejo é criar, em 2024, um protótipo de um abrigo pensado ao pormenor para um público restrito que vive nas ruas de Viana do Castelo e que, por qualquer motivo, não consegue ser institucionalizado. “A primeira coisa que fizemos foi reunir com as instituições que trabalham com sem-abrigo, para perceber por que razão havia situações que não estavam resolvidas. Aí, percebemos que não há resposta para sem-abrigo em situações específicas. Ou seja: nenhuma delas está interditada, mas sofrem de doença mental ou de processos aditivos complicados, acabando por desestabilizar as comunidades em que são inseridas”, explicou Jorge Teixeira, arquiteto e professor de Design de Ambientes no IPVC. 

Este é o público ao qual o grupo de trabalho procurou dar uma resposta: pessoas com uma vulnerabilidade extrema e iguais na dignidade. “Queremos respeitar a completa liberdade que estas pessoas têm. Elas não devem permanecer na rua nas condições em que estão. Estão vulneráveis, por exemplo, às questões climatéricas e a abusos e, por isso, procurámos desenhar algo que lhes dê conforto e segurança. Não damos as condições que uma habitação normal poderia oferecer, mas, pelo menos, deixam de dormir na rua. E, desta forma, dar algum estímulo para que possam construir um novo projeto de vida”, referiu o docente. No entanto, o abrigo poderá acolher outras pessoas em situações pontuais e urgentes. “Viajantes, peregrinos, pessoas em situações emergenciais ou vítimas de catástrofes, são alguns dos eventuais utilizadores que podem ser beneficiados com este projeto”, referiu Bruna Freire.

Jorge Teixeira acrescenta que o projeto pretende envolver, de certa forma, a comunidade que “ainda é muito hostil” em relação aos sem-abrigo. “A comunidade não tolera que eles estejam na vizinhança. Estas pessoas têm rotinas, e encontram-se no centro da cidade junto, por exemplo, a um supermercado, para ir comprar álcool. E, portanto, a ideia é que o módulo se assemelhe ao mobiliário urbano que permita a aceitação da comunidade”, disse, revelando que poderá ser ainda um objeto útil à sociedade: um quiosque digital ou um hotspot de internet. 

De acordo com Manuel Rivas, coordenador do curso de Design de Ambientes, o contacto com as instituições permitiu ainda perceber que há uma grande dificuldade, por parte dos sem-abrigo, em respeitar as regras das e nas instituições. “O que pretendemos é que seja um espaço em que se sintam verdadeiramente à vontade, e que se enquadre num espaço público. Sem regras, à exceção de libertarem o espaço durante duas horas por dia para o higienizar, para receber um novo sem-abrigo, ou o mesmo”, especificou. 

O módulo será amovível e autossuficiente. Não terá mobília nem casa de banho, e terá um botão de pânico para que as autoridades e instituições possam identificar, cadastrar e acompanhar. “Terá um sensor que permite saber se Schelter On, um abrigo seguro que dá dignidade aos mais vulneráveis da rua o sem-abrigo está, ou não, dentro do módulo. Portanto, as instituições, ou quem quer que seja, escusam de andar pela cidade à procura dele”, exemplificou, assegurando que o objetivo não é controlá-los, mas ajudá-los para que possam, mais tarde, seguir um novo projeto de vida.

No exterior terá um cacifo, onde os sem-abrigo poderão receber a sua correspondência. “Isto é importante porque as pessoas sem-abrigo não têm morada. Na maior parte dos casos, as instituições oferecem-se para fazer esse trabalho, mas torna-se difícil encontrá-los, porque andam pela cidade”, justificou Jorge Teixeira. “Todas as circunstâncias foram avaliadas, para que o espaço seja verdadeiramente seguro”, garantiu Manuel Rivas, exemplificando: “Os cantos são arredondados para que eles não se magoem a si próprios, e há ainda espaço para uma cadeira de rodas. As janelas são altas para dar privacidade, os cabides são indestrutíveis e não podem ser retirados do sítio onde estão.” “Também tentámos encontrar mecanismos para mitigar algumas resistências que irão surgir”, acrescentou Jorge Teixeira. Mais tarde, o grupo de trabalho coloca em cima da mesa a possibilidade de criar, dentro dos mesmo, uma casa de banho, para que os sem-abrigo possam ter acesso às condições básicas de saúde e higiene. “Sem regras rígidas e sem limitações de horários de entrada e saída, acreditamos que iremos ampliar o nosso público-alvo”, assegurou Bruna Freire. 

O projeto foi recentemente apresentado na Universidade Fernando Pessoa e os dois docentes asseguram que o feedback “é bom”. “Em todas as reuniões com a Câmara Municipal, houve disponibilidade em criar um protocolo com o IPVC e, sem pedirmos, entrar com algum apoio monetário”, confidenciou Jorge Teixeira, adiantando que, mais tarde, haverá possibilidade de se candidatarem a concursos mais específicos para obter apoios. “Falámos com alguns colegas das mais variadas áreas, para confirmar que este módulo funciona em qualquer concelho do distrito”, salientou Manuel Rivas.

Conceptualmente, o “Schelter On” está pronto mas, para ser implementado como projeto-piloto, já com o parecer positivo do IPVC e da Câmara Municipal, é necessário arranjar parceiros. Há uma complexidade de coisas à volta do projeto, desde o local onde vão ficar, até quem vai higienizar”, reconheceu Manuel Rivas. “Já temos um parceiro, mas estamos a ver mais”, acrescentou Jorge Teixeira, explicando que, durante um período experimental, o objetivo é melhorar o módulo para o replicar pelo distrito e, quem sabe, pelo país. Isto, porque não existe nada assim. “Os módulos vão para onde são necessários num determinado momento”, salientou, admitindo: “Há uma ou outra situação que não está estruturada, porque depende de quem nos ajudará.” “Estamos muito otimistas com a perspetiva futura para este projeto, pois trata-se de um tema muito relevante para todos os países, e pode solucionar um dos maiores problemas sociais: as pessoas em situação de sem-abrigo”, concluiu Bruna Freire.

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