A porta é cor-de-rosa. Incentiva a entrar no mundo encantado do Patronato de Nossa Senhora da Bonança, em Vila Praia de Âncora, no Arciprestado de Caminha. Uma instituição muito acarinhada pela comunidade e que, infelizmente, não consegue dar respostas a tudo porque, como em todo o país, tem uma lista de espera de crianças. No entanto, as que estão são valorizadas, assim como as suas famílias.
O Patronato de Nossa Senhora da Bonança surgiu nos anos 50, como resposta aos mais favorecidos, com a sopa dos pobres. Tinha uma administração católica, mas, com o tempo, evoluiu para jardim de infância e, mais tarde, creche. Hoje, tem 35 crianças em creche e 55 no jardim. A equipa integra 17 funcionárias e oito voluntários na Direção e no Conselho Fiscal.
Andreia Videira é diretora técnica e Ester Costa é diretora pedagógica. As duas afirmam que a missão do Patronato de Nossa Senhora da Bonança é “promover a infância e a solidariedade, numa relação de partilha com as famílias e comunidade”.
A instituição tem um conjunto de atividades internas e externas que envolvem a família e a comunidade. No entanto, “o público-alvo são, e serão sempre, as crianças”. “A ‘missão pijama’ e a festa de Natal, são duas atividades em que convidamos a família a estar presente”, exemplificou Ester Costa, contando que, este ano, realizaram as vindimas e a desfolhada. “Queremos ainda realizar uma atividade no forno comunitário de Riba de Âncora, dando a conhecer o processo do pão”, acrescentou, dando nota que participam numa atividade de cariz social com os Vicentinos. “Ajudamos a fazer os cabazes para os mais desfavorecidos. Promovemos uma campanha de recolha de bens junto das nossas famílias, e os meninos adoram. Nós só complementamos o trabalho dos Vicentinos. É gratificante vê-los. Eles gostam e participam”, enalteceu.
Outras atividades internas são apadrinhadas por um conjunto de empresas locais, Junta de Freguesia e Câmara Municipal: a expressão musical, a atividade física e motora, a adaptação ao meio aquático, o inglês e os workshops de natureza. “Este projeto já tem uns largos anos. Se não me engano, desde 2015. Ou seja, temos parceiros desde esse ano. São uma mais-valia para a instituição porque, sem eles, a instituição não conseguiria garantir estas práticas, com as verbas próprias, e também sabemos que algumas famílias teriam dificuldade em conseguir pagar estas atividades extra”, disse Andreia Videira, confidenciando que, quando lançou o novo plano de renovação, teve receio de perder alguns apoios. No entanto, as ajudas mantiveram-se. “A base está na transparência e no feedback e, por isso, trimestralmente, enviamos os benefícios das atividades aos nossos parceiros. Fazemos um balanço em equipa e enviamos as fotografias e um relatório financeiro no final do ano”, garantiu, adiantando que, aquando do encontro de Janeiras, a instituição promove um evento com a família, em que entregam uma pequena lembrança aos parceiros, dando-lhes a conhecer.
O Patronato de Nossa Senhora da Bonança é ainda apoiado com os produtos de quebra do Continente e pelo Banco Alimentar. “Somos beneficiários das campanhas deles e, com isto, tentamos também ajudar as nossas famílias mais carenciadas”, confidenciou Andreia Videira.
Já no que diz respeito a atividades com a comunidade, as crianças saem à rua para cantar as Janeiras e muito mais, dependendo do tema que estejam a celebrar naquele mês. Ao fim-de-semana também promovem um conjunto de atividades que têm como objetivo “divulgar os serviços da instituição e inclui a angariação de fundos”. “As verbas fixas não chegam para sustentar a instituição e, por isso, são organizados eventos com cariz infantil, a que aliamos um custo simbólico”, explicou a diretora técnica, revelando que, no dia 18 de novembro, vão realizar o Patronato na Praça. “É um feirão com frutos da época, barraquinha de comes e bebes, e vários ateliers que demonstram o que se passa cá dentro: o atelier de música, atividade física e natureza. É uma maneira de mostrar o que fazemos, que estamos cá, e de a comunidade nos conhecer, embora seja muito acarinhada desde o tempo da sopa dos pobres”, explicou, contando que muitos dos meninos que frequentam a instituição têm avós e pais que também a frequentaram”. “Se a comunidade nos apoia, eles têm de saber o feedback desse apoio e, portanto, são atividades importantes”, justificou.
O pós-pandemia tem sido um desafio “árduo” para a instituição, que se tem agravado com as consequências da guerra na Europa. “A maior fatia das verbas que entram é para os recursos humanos e, ainda bem que é, porque são eles que nos fazem ser Patronato”, enalteceu, reconhecendo que o edifício não “nasceu” para ser creche e jardim de infância. “O edifício foi sofrendo adaptações. Está em bom estado, mas não cumpre uma série de normas. Portanto, quando nos procuram, é pela qualidade do serviço e não pela casa bonita e familiar. Não é tão aliciante como uma creche ou um jardim novo”, apontou Andreia Vale, considerando que o ano 2024 será desafiante a vários níveis. “A fatia dos fornecedores também aumentou como nas nossas casas”, exemplificou.
Mais recentemente, o Governo aplicou alguma gratuidade às creches. Em 2024, será totalmente gratuita. Apesar de ajudar e ser pensada para todas as famílias, nem todas conseguem usufruir deste acordo porque não há vagas. “Pensaram numa medida para todas as famílias, mas não quiseram saber se havia resposta para todas. Temos lista de espera e procura diária. Quem nos procura nem sempre faz a inscrição, porque sabe que não conseguirá vaga”, lamentou, considerando o valor da Segurança Social “bom”. “Há uma série de coisas que a mensalidade inclui, como seguros e inscrições, decidido pela tutela sem nos perguntarem nada”, atirou, defendendo: “A medida é ótima porque apoia as famílias e promove a natalidade, mas esqueceram-se de falar com os parceiros, que somos nós que estamos no terreno.”
A diretora técnica considerou ainda ser “constrangedor” ter crianças na mesma sala em que umas pagam e outras não. “Seria justo iniciar o ano civil, mas são opiniões pessoais”, afirmou, acrescentando: “A medida é positiva. O planeamento é que fracassou. Falta a resposta. Além disso, o valor nem foi discutido. Aqui, o meio é pequeno, mas num Porto, o valor provavelmente não chega.”
O Patronato de Nossa Senhora da Bonança já viu sair algumas crianças devido a questões financeiras, mesmo quando a instituição fez e faz um esforço com o cálculo de acordo com os rendimentos do agregado familiar. “Por uma questão de timing, não temos muitos imigrantes. Já estávamos cheios, mas há muitos brasileiros e indianos que nos procuram”, referiu Andreia Videira. “Quando a questão financeira não se coloca, os pais pensam muito em mantê-los connosco. Nenhum pai gosta de tirar o filho para colocar noutra instituição. Gosta desta continuidade. Já os conhecemos, vemos crescê-los e porque têm confiança em nós”, frisou.
Ester Costa. “Por sermos uma instituição familiar, os meninos conhecem-nos a todas. Não é só às suas educadoras. São fatores que os pais apreciam e que nós consideramos importantes”, acrescentou Andreia Videira.
Em 2021, a instituição venceu o programa “Bairro Feliz” do Pingo Doce, com a causa “Conforto na Alimentação”. O objetivo passou por “conseguir apoio para a aquisição de 12 cadeiras de alimentação evolutivas, para as crianças da creche”. “Vencemos porque temos muitos amigos. A candidatura em si é simples. As educadoras, auxiliares e famílias, são incansáveis. Ou as pessoas vão fazer compras ao Pingo Doce ou vão fazer compras ao Pingo Doce (risos). A onda de solidariedade foi muito gira. Tiravam fotografias e isso ajudou a divulgarmos nas nossas redes”, recordou Andreia Videira. “O carinho que têm pela instituição faz com que ajudem sempre. Nunca se cansam de ajudar”, salientou Ester Costa, exemplificando: “Uns já estão no terceiro filho e ajudaram sempre. Outros que já deixaram, continuam amigos, e aderem às nossas campanhas. Este carinho, que vai passando de geração em geração, também nos alimenta.”
Para 2023/2024, o grande projeto é o jardim sensorial. “Tivemos o apoio da Câmara Municipal para comprar as estruturas fixas, e a Junta de Freguesia ajudou-nos a aplicar a relva. A relva foi doada pela Casa Peixoto. Os workshops da natureza integram este projeto para fazermos estruturas com reaproveitamento de material e que nos traga a natureza para cá”, especificou Andreia Videira, adiantando que o jardim sensorial está em construção e, na inauguração, têm de convidar as crianças que já ouviam falar deste projeto, mas não tiveram oportunidade de experimentar porque “o projeto anda conforme o dinheiro”.
No final do mês de outubro, as funcionárias do Patronato participaram numa formação sobre como lidar com as crianças de hoje. Ester Costa assegurou que refletem muito sobre o tema porque sentem que “as crianças de hoje são diferentes das de ontem”. “As crianças são muito mais audazes, exigentes, difíceis de lidar e contentar. Isto é desafiante. Isto tem a ver com a parentalidade. Os pais não são os mesmos. As tecnologias, o estímulo que têm, que não existia há dez anos. São inquietas, mais curiosas… Não são só coisas negativas. Há muitas coisas positivas, mas querem respostas mais rápidas e interessantes. O telemóvel abre-lhes portas para um mundo muito grande, e aquilo que damos não as satisfaz por um curto espaço de tempo. Eles querem sempre mais. Mais novidade”, apontou, exemplificando: “De há uns anos para cá, quando contava uma história, eles ficavam deliciados, e encantados e deslumbrados com o que dissesse, trouxesse ou fizesse. Hoje em dia, tenho de contar a história a fazer o pino e mesmo assim, só consigo a atenção deles durante dez minutos.”
A diretora pedagógica referiu ainda que “a educação está diferente”, considerando que têm de fazer “um esforço grande para responder às necessidades/ interesses das crianças”. “As nossas estratégias são diferentes, mas é verdade que a capacidade de concentração e de autorregulação está afetada. Não se aponta dedos a ninguém, porque as nossas vidas estão mais aceleradas. É mais fácil o telemóvel para sossegar do que brincar com elas. Percebemos isto tudo, mas está a afetá-las”, acrescentou Andreia Videira, admitindo que, ao observar as crianças, apercebeu-se que “já não sabem brincar”. “Provavelmente, é por aqui que temos de começar outra vez. Brincar com eles, dar atenção, e é preciso dar muito porque eles precisam imenso. Uma coisa que façam fora do contexto é para chamar a atenção, e somos nós que temos de nos esfriar e pensar que temos de ser diferentes e respeitar os timings deles”, especificou, reconhecendo que também têm muito que aprender com os pais. “Tudo aquilo que eles façam para refletirmos ou melhorarmos, estamos muito abertos. Aliás, já fizemos alterações em função disso, mas temos de perceber que será uma medida não só para aquela criança, mas para o grupo. E é esta a dificuldade. Em casa, podemos fazer uma série de coisas que agradarão ao nosso filho, mas ele tem de perceber que as suas necessidades só são possíveis se foram também possíveis para o outro. Isto, por vezes, não acontece”, apontou. “É difícil, mas a família, o pai ou a mãe, tem de desconstruir e perceber que a criança não é única. É preciso ter a capacidade de se colocar no lugar do outro e perceber que, quando se passa para o lugar do outro, também custa ou não se pode exigir”, frisou Ester Costa, referindo que a instituição apela sempre pela empatia. “As coisas existem, mas resolvemos na hora. Somos transparentes e, quando algo corre mal, assumimos o erro”, assegurou Andreia Videira, descrevendo a equipa do Patronato como “persistente e resiliente”. “O ambiente que vivemos aqui, ajuda imenso. Somos coesos e abertos”, concluiu Ester Costa.
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