“Quem é o meu próximo?” foi o tema da 1ª conferência das Jornadas Diocesanas de Pastoral

Cerca de 200 pessoas dos vários Arciprestados da Diocese de Viana do Castelo participaram na conferência «Quem é o meu próximo?». A iniciativa, que decorreu no Centro Pastoral Paulo VÎ, em Darque, Viana do Castelo, foi organizada pela Comissão Diocesana Justiça e Paz e integra as Jornadas Diocesanas de Pastoral.

Notícias de Viana
24 Nov. 2023 9 mins
“Quem é o meu próximo?” foi o tema da 1ª conferência das Jornadas Diocesanas de Pastoral

A conferência teve início com o presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, Pedro Vaz Patto, que fez um apelo à fraternidade na construção da justiça e da paz. De seguida, Mons. Fernando Caldas apresentou o tema “Que humanidade para este século?”, que estava a cargo do teólogo italiano, Enzo Bianchi. 

“Faltam ginásios da vontade”

Apesar de ser uma questão “desafiadora”, Enzo Bianchi começou por referir que “Deus tornou-se o homem para que o homem se tornasse homem, humanizando a sua humanidade”. “Ser cristão é tornar-se homem de verdade, segundo Cristo. É cristão quem se torna homem. Ser cristão não significa ser religioso de uma certa maneira. Significa ser homem. Cristo cria em nós, não um tipo de homem, mas o homem. Não é o ato religioso que o faz cristão, mas a participação no sofrimento de Deus na vida do mundo”, afirmou, recorrendo a alguns escritores e filósofos. “A necessidade de uma gramática humana surge quando, num determinado centro cultural e social, se percebe a perda de valores fundadores que dependem da arte de viver, quando existe um analfabetismo sobre os atos fundamentais do viver”, salientou, defendendo a recuperação de elementos essenciais, ligações básicas, declinações básicas do ato de viver. “Como em qualquer língua, não se pode improvisar. Requer uma aprendizagem”, frisou. 

O teólogo italiano apontou o analfabetismo emocional, “frequentemente observado nos jovens”, como “uma questão premente” para a educação de hoje. “Este trabalho de discernimento exige uma abordagem interdisciplinar da valorização dos mais variados campos do saber, mas, sobretudo, do bom senso e do realismo de quem sabe para além das diferenças culturais”, alertou, refletindo ainda sobre a comunicação, o silêncio e a fé “como ato humano que se desenvolve ao longo do tempo”. 

Por fim, Enzo Bianchi indicou elementos para uma gramática humana: quotidiano, saudar e vontade. “Um dos motivos para a falta de vontade de hoje é a crise das três grandes agências educativas – família, escola e Igreja. Esses ambientes educativos, hoje, abandonaram o papel de estimular a vontade”, afirmou, defendendo: “Presentemente, faltam ginásios da vontade. No entanto, a vontade é essencial para o sucesso humano, e deve ser treinada. Caso contrário, o músculo atrofia-se.”

“As parcerias são muito importantes”

A primeira mesa-redonda, subordinada ao tema “Que políticas para a construção de uma sociedade mais justa e pacífica?”, contou com a participação da vereadora Carlota Borges, da vice-presidente do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC), Ana Sofia Rodrigues, e do presidente da Associação Empresarial de Viana do Castelo, Manuel Cunha Júnior. A moderação esteve a cargo da advogada Ana Palhares. 

Carlota Borges admitiu ser “um desafio” criar políticas para a construção de uma sociedade mais justa e pacífica “devido à população, que é, cada vez mais, diferente” a vários níveis. “Desenvolvemos um trabalho na sombra de apoio à alimentação, ajuda no pagamento da eletricidade e da água, e das rendas, que é o nosso maior desafio”, exemplificou, enaltecendo a prevenção através das escolas e do emprego. 

Já Ana Sofia Rodrigues disse que o maior desafio do IPVC era “formar cidadãos capazes de responder não só às necessidades profissionais, como às sociais”. “A minha experiência diz-me que os estudantes sentem necessidade de humanizar”, referiu, apontando, como valores fundamentais resiliência, empatia e liderança servidora. 

Relativamente às empresas, Manuel Cunha Júnior apontou a falta de conhecimento e formação como um desafio que existe “devido à burocracia”. “A mudança cultural é visível nas empresas e, por isso, torna-se importante a criação de mais valências de apoio às empresas, seja através de creches, seja através de instituições particulares de solidariedade social”, considerou.

Os três oradores defenderam ainda o trabalho em conjunto. “As parcerias são muito importantes. Cada um de nós existe porque existe o outro”, salientaram.

“De haver abertura”

A parte da tarde da conferência teve como foco a educação, iniciando com a segunda mesa-redonda subordinada ao tema “O papal das crianças e dos jovens na construção de uma sociedade mais justa e pacífica”, contou com a participação de Mariana Branco, Sofia Laranjo Valente e João Pedro Ferreira. A moderação ficou a cargo da psicóloga Sónia Rodrigues.

Os três jovens consideraram que “os jovens são intervenientes para a mudança”. No entanto, é necessário “dar-lhes lugar, capacitando-os nas suas redes”. “Nós somos melhores porque existem os outros. Há espaço para todos. Ninguém pode ficar para trás na Igreja”, defendeu Sofia Laranjo Valente, reconhecendo a importância do exemplo que se dá. 

Mariana Branco e João Pedro Ferreira alertaram para a igualdade de acessos e para a importância de uma Igreja “mais aberta” para a mudança. “Neste momento, a Igreja não está a captar os jovens e a linguagem pode ser uma das causas do seu afastamento. Não atrai”, critica João Pedro. “Deve haver abertura para questionar e debater os mais variados temas sem fundamentalismos”, acrescentou Mariana. “Mais envolvimento através de espírito crítico e de experiência, tocando no coração com algo concreto e menos abstrato”, disse Sofia. 

“A educação para a cidadania é a política mais importante” 

De seguida, Isabel Menezes apresentou o tema “O papel da educação para a cidadania na construção de uma sociedade mais justa e pacífica”. “A educação para a cidadania é a política mais importante, em que a escola tem um papel fundamental”, afirmou, reconhecendo que “a educação é uma tarefa desconfortável, em que toda a gente dá o seu melhor”. “O risco desta discussão sobre a educação para a cidadania é o risco de não termos crianças e jovens como atores políticos no aqui e agora”, considerou, defendendo a apreciação pela diversidade. “As gerações a seguir a nós devem estar ainda mais atentas a fenómenos de manipulação”, alertou, lamentando: “Há falta de espaços de reflexão, debate e conversa e, consequentemente, de acesso à vivência de espaços, onde os seus valores são respeitados.”

“O oposto da guerra é o amor”

A conferência terminou com Laborinho Lúcio que apresentou o tema “Verdade, Ciência e Vida – Uma questão de valores?”, que se mostrou preocupado com “a globalização da indiferença”.

O juiz-conselheiro jubilado do Supremo Tribunal da Justiça e vogal do Conselho Superior da Magistratura, indicou ainda algumas conclusões sobre o digital e a inteligência artificial, defendendo o compromisso como “valor próprio” da cidadania, e afirmando que “o oposto da guerra é o amor”. “O mal está se deixarmos de ter poder. Ou nos entregamos às consequências, ou debatemos”, frisou, mostrando-se apologista de “todos terem conhecimentos nas humanidades” independentemente da área profissional. 

“Temos de aprender a falar com o outro”

José Luís Carvalho da Ponte, presidente da Comissão Diocesana Justiça e Paz (CDJP) destacou a leitura do texto do Enzo Bianchi que, na sua opinião, é “soberbo”. “É um texto que vai exigir muita reflexão por parte da CDJP, e até mesmo da Diocese. Tem muitas ideias/ mensagens que devem ser trabalhadas desde aquela expressão soberana que diz “é necessário entendermos qual é a gramática do homem”. É uma “expressão bonita”, especificou, exemplificando: “Temos de aprender a falar com o outro, chamando-o pelo seu nome. É o nome que nos identifica e significa a individualização.”

Enzo Bianchi não conseguiu estar presente por motivos de saúde. Este foi, para a CDJP, o ponto negativo de toda a organização da conferência. “Soubemos o que lhe tinha acontecido na quinta-feira. Pedimos-lhe o texto e só o recebemos ontem. Até tudo isto acontecer, quem está a organizar isto sentiu uma ansiedade. Foi uma experiência desagradável, mas teve um fim muito feliz”, confidenciou, enaltecendo o empenho do Bispo diocesano em apelar à participação de todos. “É bom que a Igreja, ao nível da sua estrutura e da sua hierarquia eclesiástica se empenhe a sério nestas coisas”, sublinhou, salientando que cada participante levou uma ideia. “Só por isso, valeu a pena”, frisou, acrescentando: “Precisamos de nos ouvir uns aos outros. Escutar o que cada um tem a dizer.”

O responsável comentou ainda o documento da Santa Sé sobre o batismo de pessoas transsexuais. “Tem de ser. Eles não ofendem ninguém. Porque hei de condenar um homem que gosta de outro homem? Ele não é da Igreja por causa disso? Ele pode ser da Igreja”, argumentou, defendendo mais reflexão. 

“Há uma Boa Nova para o ser humano” 

No final, D. João Lavrador considerou que a questão que ocupou a conferência “vai para além das fronteiras pessoais” e “procurou alertar para a envolvente cultural que condiciona a compreensão do humano”. “Há uma Boa Nova para o ser humano e, com ela, disporemos dos traços deste humanismo que permanentemente queremos promover atendendo à visão global da pessoa humana na sua transcendência”, afirmou recordando o apelo do Papa Francisco “à abertura ao amor e à integração de todos, a superar o mundo dos sócios e edificar comunidades de irmãos e a promover os irmãos a partir do amor”. “É a partir destes fundamentos que se deve atuar nos diversos domínios da cultura e da sociedade, chegando a afirmar que se deve promover o amor político”, defendeu, alertando para a situação atual da Europa. “É urgente divulgar o seu conhecimento e estudo, vencendo a ignorância que há dela, mesmo entre os cristãos. Exige-o a nova Europa em vias de construção, carecida de pessoas educadas segundo tais valores, prontas a trabalhar pela realização do bem comum. Para isso, é necessária a presença de leigos cristãos nas diversas responsabilidades da vida civil, da economia, da cultura, da saúde, da educação e da política, atuando de modo a poder permeá-las com os valores do Reino (Papa Francisco)”, citou.

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