Há vários meses que os médicos se têm manifestado em defesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Em 2023, vários serviços de urgência pelo país encerraram ao fim-de-semana, e muitos dos doentes foram transportados para outros hospitais que estivessem disponíveis para os receber. Estas e mais algumas reivindicações, levaram à criação de uma comissão instaladora que quer implementar, em Viana do Castelo, a Comissão de Utentes da Unidade Local de Saúde do Alto Minho (ULSAM) que funcionará como “um órgão independente e autónomo, de concertação de esforços para a análise e discussão de problemas, em articulação com as instituições e os seus profissionais, a fim de reivindicar e construir as soluções urgentes e necessárias”.
Rogério Oliveira, Martinho Cerqueira e Sandra Maricato são três dos impulsionadores que estão “muito preocupados” com o caminho do SNS ao fim de quase 50 anos de existência. “Reivindicamos, desde já, o investimento urgente no Serviço Nacional de Saúde, a garantia de condições de trabalho dignas a todos os profissionais de saúde, e de acesso de todos ao direito à saúde”, apontam, explicando que o principal objetivo é “unir pessoas em torno de um direito que está na Constituição da República Portuguesa: a saúde”.
Em dezembro, a comissão instaladora promoveu uma reunião aberta à comunidade, nas instalações da União das Freguesias de Viana do Castelo (Sta. Maria Maior e Monserrate) e Meadela, onde mais de duas dezenas de cidadãos participaram.
Sandra Maricato não é natural de Viana do Castelo, e contou ter ficado “surpreendida” por não existir uma Comissão de Utentes, mais ainda após os últimos acontecimentos nos hospitais. “O nosso objetivo é corresponder às expectativas/necessidades da população”, afirmou. “Sou professor, reformado por invalidez devido a uma doença oncológica. Doença essa que foi tratada aqui e no Porto porque a ULSAM não dispunha de todos os serviços, nomeadamente, de radioterapia”, contou Rogério Oliveira.
Martinho Cerqueira reafirmou a importância da criação de uma comissão em defesa do SNS, sustentando que “é momento de agir, despertar consciências e intervir”. “Todos somos utentes e não queremos o colapso do SNS”, frisou, apelando para a importância de um investimento do Estado nos cuidados primários, continuados e paliativos. “Os três pilares do SNS são a medicina preventiva, a curativa e a de reabilitação. No meu ponto de vista, não estamos a investir na prevenção”, acrescentou Rogério, lamentando que o SNS só é lembrado quando se está doente. “Os médicos de família, por lei, têm mais de 1.700 utentes. Quando as pessoas recorrem a eles por motivo de doença, conseguem, por vezes, uma resposta imediata, mas, se houvesse um acompanhamento que evitasse isso, pouparíamos dinheiro mais à frente. Ou seja, promovendo rastreamento e campanhas”, exemplificou.
As preocupações da comissão instaladora centram-se nos trabalhadores, que reivindicam melhores condições de trabalho que vão para além das carreiras, e na falta de interesse do Governo. “Quando vejo que há alguma capacidade do Estado em investir na saúde e vejo os políticos a fazer ouvidos moucos, faz-me alguma confusão. Há dinheiro para tudo e mais alguma coisa, menos para o mais importante”, disse Rogério, recordando a queixa de falta de batas na ULSAM. “Fiquei parvo quando soube que tinham falta de batas. Batas? Neste século, quando falamos em milhões para ali e acolá e não há para batas?”, ironizou.
Já Martinho lamenta a redução de serviços e, consequentemente, a deslocação dos doentes para outros hospitais. “Temos ainda o problema de resposta social face aos doentes que não são encaminhados após terem alta dos hospitais”, afirmou, reconhecendo o mérito dos profissionais de saúde. “Os médicos são missionários nos tempos correntes, como refere o Papa Francisco”, salientou.
Sobre as mais recentes greves, Rogério e Martinho defendem que “nunca é demais lutar pelo bem comum” e, por isso, garantem entender as reivindicações dos profissionais de saúde, porque veem que “eles lutam por melhores condições” para todos.
A comissão instaladora pôs, ainda, algumas plataformas à disposição e, segundo Rogério Oliveira, “há muitos médicos e enfermeiros” a recorrer a elas “porque percebem que há muita coisa a melhorar”. “Foca-se muito na questão das carreiras, mas, muitas vezes, o que está por detrás vai muito além disso. Falo das condições de trabalho”, atirou. “Independentemente das lutas, sentimos que tudo tem a ver com as condições de trabalho, essencialmente da organização dos hospitais, o que diz respeito ao Ministério”, frisou Martinho Cerqueira, considerando que os utentes estão à margem. “O SNS tem um complemento que, neste momento, está a absorver tanto, ou mais, que as verbas que vão para o SNS. Isto é uma questão política”, asseverou.
Para além de médicos e enfermeiros, há também utentes “desesperados”. “O nosso objetivo não é ser, apenas, um repositório de reclamações e queixas, mas também uma ferramenta para perceber o sistema de saúde. Ao ter consciência disso, conseguimos reunir melhores condições para lutar”, defendeu Rogério, considerando que, “muitos utentes não têm noção da dificuldade dos serviços”. “Sinto que as pessoas também desabafam e aproveitam estas plataformas para pedir ajuda”, confidenciou, assegurando que têm ajudado com o que podem.
Uma das situações mais reportadas é a falta de médicos de família, como em todo o país. “Há também algumas faltas de serviços, como é exemplo a radioterapia e a nefrologia”, exemplificou.
No público, houve um participante que concordou com a apreciação de Rogério Oliveira, queixando-se da falta do serviço de oftalmologia. “Vivo há pouco tempo em Viana do Castelo e faz-me confusão que um hospital distrital tenha falta de capacitação de valências. Os centros de saúde não têm o essencial”, especificou, apelando à criação de uma ação que mobilize a população do Alto Minho. “A administração da ULSAM deve ouvir os utentes”, sugeriu.
Outro dos participantes defendeu que a Comissão de Utentes deveria complementar pessoas não só de Viana do Castelo, como também Melgaço, Monção e Valença.
A comissão instaladora acredita que “juntos têm mais força”, mas “é necessário organização”. “A Comissão de Utentes poderá ajudar a desconstruir algumas ideias erradas, consciencializando que todos temos de remar para o mesmo lado, mais concretamente, o bem comum”, reforçou Rogério, apelando à disponibilidade de utentes para fazer parte do movimento.
Segundo Martinho, “a privatização do SNS seria a morte da esmagadora maioria dos pobres portugueses”. “A maioria da nossa sociedade é constituída por pobres e, alguns deles, trabalham, mas o que ganham não dá para todas as despesas”, lamentou, confidenciando que conhece idosos que prescindiram da medicação para pagar a renda de casa. “Se não fossem as instituições da Igreja a apoiar, as coisas seriam ainda mais difíceis”, sublinhou.
Nas redes sociais, a comissão conta com “mais de 2.500 seguidores”, dos quais “mais de 150 mostraram interesse em ajudar e colaborar”. “A Comissão de Utentes também pode ajudar na divulgação de rastreios, campanhas e etc.. Queremos colaborar com todos (médicos, enfermeiros, administrativos e utentes) para reivindicar e agir em prol do melhoramento do SNS”, concluiu Rogério.
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