A Norte de Portugal, o distrito de Viana do Castelo foi quem deu a maior percentagem ao Chega, com 18,64%, nas mais recentes eleições legislativas. No Alto Minho, a freguesia de Fontoura, em Valença, a União de Freguesias de Campos e Vila Meã, em Vila Nova de Cerveira, e a freguesia de Freixieiro de Soutelo, em Viana do Castelo, foram as freguesias em que o Chega (CH) saiu vencedor, com 40,10%, 30,23% e 30,54%, respetivamente.
São 11h00 da manhã. Está um dia de sol. De Viana do Castelo até Vila Nova de Cerveira, pela autoestrada, poucos cartazes de propaganda política se veem. Os que existem são do Partido Socialista (PS), Coligação Democrática Unitária (CDU) e Bloco de Esquerda (BE).
Em Fontoura, no concelho de Valença, não se viu nenhum, mas as pessoas com quem conversámos garantem que a vila tem “alguns”. Àquela hora, o café mais central tinha pouco movimento. Nem meia dúzia de pessoas estavam na esplanada. Mas, com o decorrer das horas, via-se passar muitos peregrinos (estrangeiros) que estavam a fazer o Caminho de Santiago de Compostela.
“Votar no PS e no PSD, era continuarmos na mesma”
Numa das mesas, lá fora, estavam pai e filho. O pai estava a ler o jornal e, embora afirmasse logo que não tinha jeito para falar, confidenciou que não foi votar porque foi trabalhar e, quando chegou, as urnas estavam fechadas. O filho está a viver em França e também não votou. Ainda assim, reconhecem a importância de exercer o seu direito de voto. “Acho tudo errado. Eu sou da época do 25 de Abril e presenciei a ditadura de Salazar. Tudo o que é extrema-direita, a mim, não me diz nada. Acho que é tudo falso e mentira”, analisou o senhor de 74 anos, considerando que “os partidos desprezaram, sobretudo, os idosos e os jovens, nestas eleições”. “Os jovens estudam para, no final, irem para uma fábrica receber 800 euros. Isso é trabalho? Os patrões levam não-sei-quantos milhões para casa. Têm vivendas e Porsches à porta. Eu não ‘papo’ disso”, criticou, referindo que “quem ‘papa’ disso é por ignorância”. “O nosso povo tem muita falta de informação e formação”, considerou, não concordando que o voto no Chega tenha sido um voto de protesto.
O resultado na freguesia que o acolhe há quatro anos, não o surpreendeu, mas “esperava melhor”. “A Câmara Municipal é PS. A Junta, PSD. Acabaram com um lar de idosos e, agora, querem acabar com a creche. Mães que entram ao trabalho às 5/6h da manhã, onde é que vão deixar os filhos? Qual é a creche, em Valença, que pode receber as crianças a essa hora?”, atirou, frisando que não acredita que o CH irá resolver estes problemas. “Vai ser tudo para dar aos privados. Nada mais do que isso”, acrescentou, admitindo “receio e inquietação” pelo futuro dos seus filhos e netos com o crescimento da extrema-direita em Portugal.
O pai acredita ainda que, no dia em que o CH não cumprir com a palavra ou colocar os valores do 25 de Abril em causa, “o povo pode fazer pressão”. “Fazer valer a democracia, que é coisa que eles não querem”, afirmou, lembrando o que está a acontecer nos restantes países do Leste. “Acha que Portugal tem poder económico para se colocar como uma Alemanha ou França, sabendo que estão a passar dificuldades como em toda a Europa?”, questionou. Já o filho, quer “ver para crer”.
Sobre a realidade naquela área, o senhor de 74 anos referiu que “os patrões não são portugueses”. Os que existem, são patrões de empresas de pequena dimensão. “Nas grandes, para onde é que vai o dinheiro? Não vai para Portugal, porque nem sequer é aplicado aqui. Constroem-se as fábricas, utilizam as pessoas, vêm espanhóis trabalhar de lá para cá, ganhar 2.000 euros, e os que cá estão, ganham 800 euros e fazem a mesma coisa que eles. Isto não é normal”, criticou, reiterando a desvalorização do povo.
Contando um pouco da sua história, confidenciou, ainda, que viu a sua reforma ser cortada. Recebia 405 euros e, hoje, recebe 257 euros. “Tiraram-me a reforma”, sublinhou, explicando que tem de trabalhar, porque o dinheiro não lhe chega para tudo.
Após os resultados, há quem defenda que a abstenção veio dar força ao partido liderado por André Ventura. Ainda assim, os dados mostram que também o PS perdeu votos para o CH. O filho, de 40 anos, concorda. “As pessoas não estão satisfeitas com PS e PSD. Quando chegarem à idade do meu pai e à minha, já ninguém acredita nesses partidos”, disse, defendendo “uma mudança”. E, embora não tenha referido a sua preferência, nem confirmado se concordava com o pai, mostrou-se esperançoso com a eleição do Chega. “Há muita corrupção que tem de ser combatida”, defendeu, exemplificando com os casos de antigos políticos nacionais e regionais. “Vão a julgamentos e nada lhes acontece? Se eu desse uma chapada a alguém aqui, coisa que jamais aconteceria porque sou contra a violência, mas caso acontecesse, acabaria preso”, acrescentou o pai.
As sondagens mostraram que, na faixa etária dos 18-34 anos, o CH era a preferência de maior parte. Em Fontoura, a opinião é outra. “Foram os mais velhos, arrastando o resto da família”, consideraram.
Mais perto da hora do almoço, encontrámos dois primos na esplanada. Também não queriam falar, mas não tardaram a comentar os resultados. Um votou CH. O outro, votou Livre. “Não percebo nada de política. Aquilo que defendo é qualidade de vida para todos”, disse um. “Os resultados pareceram-me bem, porque votar no PS e no PSD, era continuarmos na mesma”, apontou outro, defendendo uma mudança. “O CH merece uma oportunidade. Pior do que estamos, não iremos ficar”, considerou, referindo que, embora não saiba se o Chega poderá ajudar a resolver os problemas, tem de ser dada a oportunidade. “Nunca vamos ficar a saber, se ele não conseguir chegar lá”, reforçou, afirmando ser a favor de um controle na migração.
Ao contrário do pai e filho, os primos acreditam que os votos no CH foram votos de protesto porque “os portugueses estão cansados”. “Porque é que os portugueses emigram? Aqui, não lhes dão o que dão lá fora. Só isso, mata uma pessoa”, lamentou.
“O Chega obteve quase mais votos do que o PS e a AD juntos”
Na União de Freguesias de Campos e Vila Meã, em Vila Nova de Cerveira, parámos numa zona muito movimentada, junto à estrada nacional. Cartazes, só do PS e da CDU. Nos estacionamentos, viam-se muitos carros e camiões estacionados. Uns para almoçar, e outros para tomar o seu café.
Falámos com um comerciante de 47 anos que, num primeiro contacto, apelou para a importância da imparcialidade da comunicação social. Votou sempre no PSD, mas, este ano, votou CH, porque perdeu a esperança. “Estava à espera deste resultado”, começou por referir, contando que esteve na mesa de votos, onde “o CH obteve quase mais votos do que o PS e a Aliança Democrática (AD) juntos”. “Ganhou força porque está a ver uma migração desregulada. O português que trabalha, nota na pele. Não se trata de racismo, nem xenofobia. Ou melhor, não se trata de uma diferenciação com quem cá está”, exemplificou, considerando que não houve outros partidos a falar deste assunto. “PS e PSD, seria mais do mesmo”, salientou, descrevendo Luís Montenegro como “arrogante”. “Quem está no poleiro, que é muito frágil, ainda não percebeu que é preciso uma transformação muito grande”, defendeu, referindo que “não existe extrema-direita”. “Em Portugal, é inconstitucional”, sublinhou.
Na União de Freguesias de Campos e Vila Meã foram, de acordo com o comerciante, os jovens e jovens adultos quem mais votou CH. “Tenho 47 anos, e não tenho médico de família. Eu desconto muito, e fico abismado como é que alguém que vem para Portugal passa à minha frente e tem logo médico de família. Não é justo. Se for a outro país, não passo à frente de ninguém”, argumentou, frisando não ser contra a vinda de migrantes para Portugal. “Há também uma precariedade nos serviços públicos”, acrescentou.
O comerciante confidenciou, ainda, que acredita num entendimento da AD com o CH. “Poderiam entrar em acordo para encontrar medidas para os nossos problemas atuais. Tinham a oportunidade de fazer melhor”, disse, criticando o Presidente da República e caracterizando-o como “o elo mais fraco”. “Deveria incentivar a AD a coligar-se com o CH”, reforçou, contando que, em conversas com fornecedores italianos, “a Itália é mais segura” desde que a extrema-direita cresceu. Ainda assim, considera que poderá haver novas eleições e que “o CH vai crescer ainda mais”.
Deu-se ao trabalho de conhecer os candidatos pelo CH. Acredita que “há mais representatividade da população”. Nas sondagens das últimas eleições, defende que houve um fator que foi esquecido: a Covid-19. “O PS teve maioria absoluta, porque a maior parte dos portugueses não trabalhou. Recebeu o ordenado em casa, e ainda conseguiu ajudas. Nestas eleições, eles achavam que iria acontecer a mesma coisa, mas as pessoas que votavam no PS são cada vez menos”, considerou, elogiando o trabalho do Governo durante a pandemia.
No final da conversa, uma das funcionárias indicou-nos mais uma pessoa para falar: Paulo Brandão Gonçalves. É empresário, faz parte dos Baldios de Vila Meã e é coordenador concelhio de Vila Nova de Cerveira pelo CH. “A leitura que podemos fazer é que estava à espera destes resultados, sobretudo nesta área do Alto Minho, onde temos a maior incidência de imigrantes”, começou por referir, falando da sensação de insegurança com o seu crescimento, que já foi desmentida por vários órgãos de comunicação social, e afirmando que “comprimem a classe média” porque “não há casas para alugar e não há trabalho”.
Votou CH e frisa que, quem votou no partido, é por se tratar de “um partido antissistema”, cujo objetivo é “combater a corrupção”. Ainda assim, considera que há votos que foram “de protesto” contra PS e PSD. “Inicialmente, não me identifiquei com André Ventura, mas, com o decorrer do tempo, apercebi-me de que, afinal, ele dizia coisas nas quais me encaixava. Sou empresário, canso-me de pagar impostos e estou refém do sistema e de um Governo que distribui esforço dos outros”, confidenciou, mostrando-se também esperançoso de um entendimento da AD com o CH, em que espera que seja entregue um terço dos ministérios a André Ventura.
Paulo referiu, ainda, que, muitos dos votantes que nas últimas eleições não exerceram o seu voto, foram votar para mostrar que querem “uma mudança”. No entanto, acredita que “muita gente que votou PS, foi “obrigado a votar com medo de perder regalias”. “Há muitas empresas, instituições e associações que vivem dos protocolos com as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia, e isso mobilizou muita gente a votar no PS, porque reconhece que a reta está apertada”, alegou, revelando que também é “ovelha negra” por ser do CH. “Quando me afirmei, perdi trabalho com as Câmaras Municipais de Valença e de Vila Nova de Cerveira, mas acredito que quem está comigo no lixo, estará comigo no luxo. E, finalmente, vejo as coisas a mudar”, disse, reconhecendo que o CH não é isento à corrupção porque “o poder corrompe”. “O partido é feito por pessoas. Como nos outros partidos, temos de tudo”, destacou, lamentando a rapidez com que foi feita a lista da distrital devido “à falta de tempo”. “Gostava que o CH não fosse tão democrático, e arrebentasse com aquela distrital e lista desde o início. Houve muitos militantes que não concordaram com aquela lista. Tínhamos pessoas com experiência e muito potencial. É pena, mas talvez pela inexperiência da nossa distrital. Agora, é aprender com os erros e fazer melhor”, atirou.
Para o empresário, o CH pode fazer alguma coisa pela agricultura do Alto Minho. “Poderá ser um fator para modernizar aquela costa de Viana do Castelo. Fala-se tanto dos solos da Póvoa, cheios de estufas e contaminados por adubos. Está num ponto crítico e, por isso, temos de repensar”, especificou, enaltecendo “a agricultura moderna”. “O CH também poderá acabar com estas parcerias público-privadas de promotores de presidentes de Câmaras Municipais”, acrescentou.
“(…) até agora, não fizeram nada”
Na freguesia de Freixieiro de Soutelo, em Viana do Castelo, não há muito movimento. São quase 15h00. Junto à igreja, encontrámos um casal com mais idade. Um deles tem 69 anos, e reformou-se recentemente. “Eu votei no PS, mas não ganhou”, admitiu, reforçando que “o melhor seria o PS”. “Isto do CH, não acredito que vá correr muito bem. O líder tem cara de manhoso”, referiu, sem ter noção dos resultados, mas frisando que quem votou mais foram “as pessoas mais velhas”. “Não se viu muita juventude”, acrescentou.
Pelo percurso, encontrámos um comerciante que nos contou que, como estava bom tempo, as pessoas aproveitaram para ir trabalhar nos seus campos. “Os outros estão a trabalhar fora”, referiu, questionando as razões do CH ser visto como “o bicho-papão”. “As pessoas estão revoltadas porque, até agora, não fizeram nada”, defendeu, sublinhando que “a aldeia está esquecida”. “Aqui, está tudo esquecido e, talvez, fosse para chamar a atenção, que também existimos. Vê-se cada vez menos gente, porque vão embora daqui. Quem fica, é que peca”, acrescentou, admitindo que PS, PSD ou CDU não lhe metem medo porque, como é reformada, “é mais meia dúzia de anos” que andará por aqui. Ainda assim, teme pelos seus filhos e netos. “A pia é toda a mesma, os porcos é que mudam de lugar. De resto, é tudo igual”, afirmou, referindo que “é preciso dar oportunidade a outros que ainda não lá estiveram, para tentar fazer melhor”. “Eu só peço saúde”, sublinhou.
Questionado sobre a razão do CH ser “o bicho-papão”, o comerciante não tem dúvidas. “É o que falam na televisão e, cada vez mais, aumentam os votos”, respondeu, contando que vê “muito” a SIC, mas “estão sempre a atacar”. “Gosto muito do programa do Ricardo Araújo Pereira e, durante esta edição especial, ele não levou o André Ventura. Porquê? Isso é discriminação e não é democracia”, criticou.
O comerciante lamentou ainda o número “excessivo” de partidos num país “tão pequeno”. “Para quê? É por isso que os votos se dispersam”, frisou, sublinhando não ligar a partidos. “Para as Câmaras Municipais e Juntas, as pessoas votam pelas pessoas, porque eles conhecem as nossas realidades”, disse, justificando: “Não tenho nenhuma queixa do nosso Serviço Nacional de Saúde. Sou muito bem atendido no nosso Centro de Saúde, em Vila Praia de Âncora. Está a funcionar. É espetacular. Ao hospital, tento não recorrer muito, mas, a última vez que lá estive, não tive nenhuma razão de queixa.”
Já sobre a realidade na aldeia, o comerciante revelou que “há pessoas do Porto e do Brasil” que vieram viver para ali. “Ainda bem que eles vieram, porque precisamos de pessoas”, frisou, lamentando os portugueses que não trabalham e que recebem subsídios. “Devia haver mais fiscalização, para termos um bocadinho para todos. Há muitas pessoas em casa que podiam trabalhar, e há quem viva mal. Estão calados e trabalham, governando a vida”, disse, defendendo uma “mudança”, mas “não radical”. “Há muito imigrante que trabalha e deve ter todo o apoio possível. Agora, quem não quer trabalhar…”, acrescentou.
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