Viana do Castelo vota pela rotina e devagar: quem não irrita, fica

Num tempo em que a política se tornou espetáculo e o ruído se confunde com mudança, Viana do Castelo respondeu com o mais português dos gestos democráticos: ficar como está. As eleições autárquicas de 2025 confirmaram o Partido Socialista na liderança do município, reforçaram o PSD como alternativa credível e deram ao Chega um palco visível, mas sem poder real. Nada de revoluções, nem de colapsos — apenas a persistência do previsível, que, neste caso, é também a forma mais sofisticada de estabilidade.

João Basto
13 Out. 2025 4 mins

O PS venceu com 42,76% dos votos, menos 2,3 pontos percentuais do que em 2021, mas com mais 912 eleitores. Perdeu peso relativo, mas não perdeu eleitores — perdeu exclusividade. Governou bem o suficiente para não ser castigado, mas não bem o bastante para entusiasmar. É a velha máxima das autárquicas portuguesas: quem governa, se não irritar ninguém, fica. Luís Nobre, que chegou a ser acusado de falta de carisma, provou que não é preciso brilho quando há solidez. Ganha por gestão, não por emoção — e, em Viana, isso continua a bastar.

O PS parece ter sido o único beneficiado do rumor de um empate técnico e da perceção menos simpática da figura de Paulo Morais, para a qual terá contribuído uma polémica sobre o financiamento aos grupos folclóricos. A antecipação de um cenário incerto pode ter ativado um voto útil, defensivo, quase instintivo, a favor da estabilidade.

O PSD subiu para 28,02%, mais 3,43 pontos percentuais e quase 3.000 votos adicionais — um avanço claro, mas não uma viragem estrutural. O partido pode ter beneficiado da extinção de listas menores à direita, mas, acima de tudo, reagregou um campo ideológico que já lhe era simpático. Não conquistou o centro. O voto anti-PS preferiu o Chega, e o eleitorado de centro-esquerda, por instinto, manteve-se fiel a Luís Nobre. Se em eleições anteriores o problema social-democrata podia ser a falta de uma figura, desta vez o problema é a falta de aparelho: há votos, há energia, mas falta rede, presença e continuidade. A oposição em Viana cresce nas urnas, mas não no terreno.

O Chega teve a subida mais vistosa: de 3,45% para 14,98%, mais de 6.000 votos. Mas a força do número não se traduziu em poder. O partido elegeu apenas um vereador, sem influência executiva. Há aqui uma lição que André Ventura conhece, mas raramente admite: não há populismo sem implantação local. Em Viana, o Chega beneficiou do descontentamento, mas não tem estrutura, nem quadros, nem redes locais. É um voto de protesto — e, como todos os protestos, acaba à porta da assembleia. É o equivalente político de um post de Facebook com muitos “likes”: visível, mas inócuo.

À esquerda do PS, o panorama é desolador. O PCP-PEV perdeu metade do eleitorado — mais de 2.500 votos — e o Bloco de Esquerda caiu também para metade. Juntos, somam agora menos de 6,5%, algo que há vinte anos seria impensável em Viana do Castelo. Parte dessa sangria foi absorvida pelo PS, num voto útil e disciplinado; outra foi engolida pela abstenção — e por alguma lei da vida. A esquerda tradicional esgotou o seu capital simbólico e parece não ter encontrado substituto. O discurso operário perdeu o chão, e o digital não o recuperou.

A Iniciativa Liberal cresceu de 1,8% para 2,68%, um resultado que dá manchete no Twitter, mas não muda a composição da câmara. Os liberais de Viana existem — e votam —, mas ainda não descobriram para que serve uma junta de freguesia. São, digamos, uma minoria de ideias e cafés: participam, discutem, mas ainda não intervêm. O partido tem urbanidade, mas não tem chão.

A participação eleitoral aumentou seis pontos percentuais, um sinal de vitalidade num país onde a abstenção é quase uma tradição. Ainda assim, o resultado global traduz uma democracia fatigada, mas funcional. Nada implode, mas também pouco se renova. O PS governa com conforto, o PSD reorganiza-se, o Chega protesta, a esquerda mingua e os liberais observam. É uma coreografia previsível — mas perfeitamente executada.

Viana do Castelo é, em 2025, uma síntese do país que Portugal se tornou: resistente à radicalização, desconfiado da mudança, fiel à rotina democrática. A cidade vota como vive — devagar, com prudência e alguma ironia. Não muda de direção, apenas ajusta o passo. Num continente onde a política se faz de choques e clivagens, Viana escolheu a serenidade. E talvez seja esse o segredo português: a revolução mais duradoura é, afinal, a normalidade.

Tags Política

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