Mons. Reis Ribeiro: elite e gentlemanship

0. A edição do jornal já estava fechada quando a notícia chegou. Havia somente tempo para remendar, à pressa, a capa: “Faleceu Mons. José Maria Reis Ribeiro, 1934 – 2023”. Deixar, ainda assim, mesmo que breve e liminar, a intuição da ausência.

Notícias de Viana
23 Mar. 2023 4 mins
Mons. Reis Ribeiro: elite e gentlemanship

1.Na História da Guerra do Peloponeso, Tucídides, aquando do elogio fúnebre proferido por Péricles aos mortos do primeiro ano da guerra, coloca na boca do chefe grego as seguintes palavras: “se o que ouve foi testemunha dos acontecimentos e quer bem àquele de quem se fala, sempre acredita que o elogio é insuficiente em razão do que ele deseja e do que sabe, ao contrário, ao que o desconhece, impulsionado pela inveja, parece que há exagero no que supera a sua própria natureza”.

2. O exercício a que nos propomos é, por isso, tão imensurável, como incompreensível, ainda para mais quando, para remédio da nossa mediocridade e esquecimento da nossa insuficiência, resolvemos revestir estes momentos com palavras consensuais. Aí, a vida e a pele perdem, não invulgarmente, a memória do combate e vêm-se transformadas, por entre as vozes de unanimidade, em realidades consumíveis, em produtos rápidos, em insignificância. Não chega, por esse motivo, dizer que se tratou de um homem bom, de uma sabedoria rara, de uma presença marcante. É necessário guardar a singularidade, com a sua condenação à solidão, porque quem, como ele, lavou e despertou os olhos para a necessidade de ver a emergência da aurora e da profecia, vive num lugar ainda desabitado.

3. José Ortega y Gasset escreveu, em A Rebelião das Massas, que a ambição igualitária de destruir todas as diferenças, designadamente de destruir todas as elites, não é compatível com a liberdade. Ora, Mons. Reis Ribeiro é o paradigma deste impasse a que, enquanto sociedade, chegámos. Antes de mais, porque ele pertenceu a uma elite. Não a elite brasonada. Não a elite auto-reacriativa ou auto-promocional. Não a elite fotográfica e mirífica. Mas a elite que foi capaz “de ir ao encontro das mudanças do mundo sem o deixar fugir”. A elite que não quis “cortar, interromper ou adiar caminho de vida”. A elite que significou o louvor da excecionalidade e do prodígio.

Num clima de convivência tribal, o sectarismo das redes sociais está a produzir o esvaziamento da praça pública da democracia liberal e em nome de um igualitarismo radical, os militantes destas mesmas redes estão a fechar o debate aberto, civilizado e cortês que costumava ter lugar na “cidade”. Ora, é precisamente este ambiente, que tem tido, infelizmente, reflexos na forma como entendemos e praticamos o Evangelho, que visa destruir não só a ideia de elite, como a sua existência. Em contraponto, Mons. Reis Ribeiro foi a linhagem do gentleman assim como o descreveu Karl Popper: “alguém que não se toma demasiado a sério, mas que está preparado para tomar muito a sério os seus deveres, especialmente quando a maioria à sua volta só fala dos seus direitos”.

No séc. XIX, tornou-se comum a ideia de que a elite era sinónimo de classe dominante e, daí, constituir um grupo opressivo. Todavia, Mons. Reis Ribeiro recuperou o seu verdadeiro sentido, evidenciando que esta só existe realmente quando se torna a “opção pelo melhor”, não em detrimento dos outros, mas em oposição à banalidade. Numa expressão feliz de um amigo: pessoas que são instituições.

4. Numa entrevista que lhe fizemos, por ocasião do número 2.000 do Notícias de Viana, Mons. Reis Ribeiro falou da necessidade de se estar na linha da frente. Curiosamente, ao que parece, era comum Arthur Wellesley, 1º Duque de Wellington, o grande oponente de Napoleão na flagrante batalha de Waterloo, colocar na primeira linha de batalha, imediatamente diante do inimigo, a “escumalha”, ou seja, pessoal menos qualificado que, sem grandes recursos, podia ser usado como “carne para canhão”. Julgo que é a partir deste ponto que pode encontrar-se a verdade da intuição do Pe. Reis Ribeiro. Estar na linha da frente não é sinal de vedantismo ou de presunção de superioridade intelectual; é, antes de mais, a oportunidade de estar, lado a lado, com os crucificados da história.

Tags Diocese

Em Destaque

Notícias atuais e relevantes que definem a atualidade e a nossa sociedade.

Opinião

Espaço de opinião para reflexões e debates que exploram análises e pontos de vista variados.

Explore outras categorias