Mais diagnósticos de autismo. Respostas precisam de aumentar

De acordo com a Federação Portuguesa de Autismo, nos últimos 30 anos, tem-se verificado um aumento do número de casos de autismo diagnosticados em todos os países onde foram realizados os estudos de prevalência. Portugal não é exceção e, apesar dos esforços já realizados, “ainda há muito para se fazer”. Quem o afirma é Dora Brandão, presidente da Fundação AMA Autismo, em Viana do Castelo, que, para além desta função, é mãe de um jovem autista.

Micaela Barbosa
17 Jun. 2024 9 mins
Mais diagnósticos de autismo. Respostas precisam de aumentar

Os dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que uma em cada 100 crianças, em idade escolar, tem uma perturbação do espectro do autismo (PEA). E, segundo explicam os especialistas, algumas delas podem ter uma vida independente e produtiva, mas outras sofrem de uma deficiência severa que exige cuidados por toda a vida.

“Há muito mais numa criança”

Emanuel Curto é um desses jovens. É de Esposende, tem 24 anos e, atualmente, é estagiário (profissional) na Fundação AMA Autismo. “Com cinco anos já tinha sinais fortes”, começou por contar, recordando que foi “difícil” fazer perceber à professora do ensino primário que era “diferente”. “Tive de pedir ajuda aos meus colegas de turma. Ela não reconhecia que eu era diferente. Era boa professora, mas olhava para mim pela questão da inteligência. Há muito mais numa criança do que isso”, disse.

Entre 2007 e 2008, começou a ser acompanhado com terapias “no seu geral”. “A Fundação ensinou-me que a maneira como cada um vive o autismo difere caso a caso. Somos todos diferentes. Deram-me ferramentas e oportunidades de ser acompanhado, participar nas colónias de férias, o campus AMA e, agora, sou estagiário”, revelou, explicando que faz limpeza, arquivo, secretariado e receção. 

Todos os dias, faz o percurso Esposende – Viana do Castelo em transportes públicos. Pretende fazê-lo durante “largos anos”. No entanto, ainda há uma coisa que o incomoda: o volume da rádio. “É desagradável e super chato”, considerou, argumentando: “Com o som nas alturas, ninguém se entende a falar uns com os outros ou até para quem quer colocar fones e estar no seu mundo.”

Segundo a OMS, as pessoas com autismo sofrem com o estigma, discriminação e violações dos direitos humanos. Emanuel também confidenciou que sofreu de bullying e, a dada altura, sentiu-se “sobrecarregado”. Já a ser seguido pela Fundação, conseguiu entender-se com os seus colegas. “Apesar de ter sido difícil de gerir, as crianças não são burras. Elas entendem quando alguma coisa não está bem. Muitas vezes, é preciso explicar-lhes. Foi o que eu fiz e, através deles, consegui fazer ver à minha professora que havia ali alguma coisa de diferente em mim. Tinha autismo. Não era uma brincadeira. Era um assunto sério”, contou, considerando que “a sociedade ainda tem um longo caminho pela frente”.

“Somos pais como quaisquer outros”

Já no que diz respeito aos pais de crianças e jovens com autismo, são únicos e específicos os desafios que enfrentam ao lidar com a condição de seus filhos. 

Cristina Franco tem 51 anos e trocou Lisboa por Viana do Castelo por uma “maior qualidade de vida”, sobretudo, para o seu filho Vasco que, aos dois anos, começou a dar sinais de que “não estaria a ter um desenvolvimento dentro do padrão”. “As palavras que já dizia, foram-se silenciando e os esperados diálogos em crescendo das crianças nesta fase, não existiam, para além de outros pormenores que começavam a impor-se com preocupação para nós”, recordou.

Numa consulta de audiologia foi-lhes falado do provável diagnóstico e da necessidade de consulta da especialidade para despiste ou confirmação. Veio a confirmação e, com ela, “toda uma sede de conhecimento que urgia”, dado o autismo ser um termo “desconhecido”.

Para os pais, o diagnóstico foi “uma pancada forte que durou alguns meses a assimilar”. No entanto, arregaçaram as mangas e foram criando caminho: “a entrega, a estimulação de competências, o trabalho cerrado em casa e gabinetes”. “O tempo que tínhamos era para que o nosso filho viesse a ser e ter todas as suas possibilidades otimizadas”, afirmou. E, em Viana do Castelo, “o saldo tem sido positivo”. Vasco concluiu o 12º ano num curso profissional de apoio comunitário com, segundo a mesma, “uma luta travada, praticamente, todos os dias e em cada momento desse seu percurso”. “Valeu-nos o encontro maravilhoso com as pessoas certas, desde profissionais, técnicos e, nos últimos anos de escola, os seus colegas de turma, que foram absolutamente preponderantes”, salientou, ressaltando: “O mais brilhante e digno de parabenização, foi sempre o próprio – o meu filho que, enquanto pessoa e aluno, suportou, provavelmente, momentos bastante difíceis e os ultrapassou. E, foi nele que, muitas vezes, me recarreguei”.

Passados 22 anos, ser mãe/pai de autista representa, antes de tudo, “sê-lo na essência desse estado: sem distinções”. “Não somos pais especiais. Somos pais como quaisquer outros pais. Nem mais, nem menos. Uma mãe e/ou um pai “saudável”, exerce esse papel de forma incondicional, sempre para além de qualquer condição ou particularidade que o seu filho venha a ter. Tudo o resto são conceções sociais, criadas e alimentadas socialmente”, reforçou.

Desde há uns anos para cá, em Portugal, os direitos das pessoas com autismo são protegidos por legislação específica. Embora “ainda não seja suficiente”, Cristina reconhece que “é um básico ponto de partida sem o qual tudo seria inviável” e que “também existe um trabalho associativo importante que, igualmente, tem contribuído para a visibilidade e sensibilização do autismo na sociedade”. “Não tenho dúvidas que uma resposta diferente daria resultados diferentes na vida das pessoas com autismo e suas famílias. Não havendo cura, não se procura a cura, mas existe bastante potencial de melhoramento na qualidade de vida e contributo positivo destes cidadãos para a sociedade, numa grande parte das vezes. Passar de cidadão dependente para cidadão útil e contribuinte, faz por certo uma diferença imensa em todas as vertentes e não é utopia. Há práticas mais que suficientes que o demonstram. Era preciso agir mais. Atuar”, defendeu, sublinhando que “faz falta concretizar a legislação, direcionar os financiamentos, monitorizar e melhorar”.

Queremos levar as terapias a locais mais longínquos
Dora Brandão é também mãe de um jovem autista e presidente da Fundação AMA Autista, que foi fundada em 2008. É uma Instituição Particular de Solidariedade Social sem fins lucrativos (IPSS) com vista “à criação de respostas inovadoras e sustentáveis que vão de encontro às necessidades da população com PEA e suas famílias”. “Tenho acompanhado a temática há mais de 20 anos. Antes da fundação, já havia uma preocupação em saber como eram acompanhados e tratados os autistas em Portugal, as suas potencialidades e o que lhes é dado como respostas em casa e fora dela”, contou, confidenciando que têm sido anos “desafiadores”. 

Com o passar dos anos, a responsável reconhece “o salto muito grande” que Portugal tem dado, principalmente, através de respostas, que permitem chegar cada vez mais próximo do local de residência dos utentes. “Há 15 anos, não havia nada do distrito. Quem tinha este tipo de problemáticas ou procurava ajuda fora ou, muitos deles, nem eram diagnosticados, acabando por viver a sua vida sem saber”, lamentou, considerando que “a legislação tem alterado e, para ser sentida, tem de haver vontade de quem a aplica”. “Tem-se notado a necessidade das empresas quererem ter esta responsabilidade social”, assegurou, exemplificando com um projeto desenvolvido pela instituição que permitiu a jovens autistas integrar o mercado de trabalho. “Eles conseguem ser autónomos. É preciso que eles aprendam e, sobretudo, que lhes dêem espaço para errarem”, disse.

Atualmente, a Fundação AMA, que dá resposta no distrito de Viana do Castelo e nos concelhos de Barcelos e Esposende, apoia mais de uma centena de crianças e jovens em regime ambulatório, com consultas e terapias diárias, e tem cerca de 20 jovens no Centro de Atividades para Capacidade e Integração. “A nossa lista de espera é superior ao número de utentes que estamos a intervencionar. Precisamos urgentemente de uma nova resposta”, alertou, adiantando que vão avançar com um novo projeto – “AMA + Perto” -, que visa “adquirir uma carrinha equipada para apoiar crianças e jovens dos conselhos mais longínquos como Melgaço, Monção e Paredes de Coura”. 

Dora Brandão deu ainda nota que a Fundação promove um conjunto de ações de sensibilização porque “há uma necessidade de explicar e ensinar como se faz o acompanhamento de um autista”. “As escolas têm evoluído muito. No entanto, temos de ter um sentido de querer mais e melhor, desde uma intervenção mais direcionada e muito focada”, considerou, exemplificando com a bolsa de voluntariado, onde convidam a comunidade a ser voluntária no período de férias. “Há pessoas que vieram uma vez e, hoje, continuam a inscrever-se porque gostaram da experiência. E, os próprios utentes, sentem-se bem”, contou.

Relativamente ao que ainda é preciso fazer, a responsável apela para uma “maior aposta na prevenção”. “É importante que, quem dirige, perceba que o contexto social tem diversas adversidades que não se estendem ao apoio às pessoas de terceira idade, que é o mais comum. A pessoa diferente ainda não é vista como um grande desafio porque não sabem, nem entendem os benefícios nas várias áreas”, apontou, defendendo que “tudo o que se fizer em termos de prevenção, colhe-se mais tarde”. “Num posto de vista económico puro e duro, se não intervimos num autista, que pode vir a trabalhar, ele irá acabar sem fazer nada e, a partir de certa idade (jovem), tem de ir para um lar”, lamentou, concluindo: “Isto não é uma resposta”.

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