Grupo Folclórico das Lavradeiras da Meadela adapta-se aos novos tempos, mas não esquece a tradição “genuína”

Com 90 anos de existência, o Grupo Folclórico das Lavradeiras da Meadela já percorreu o país e várias partes do mundo para manter vivas as tradições, cumprindo o rigor dos trajes confeccionados artesanalmente, das danças, dos cantares, das músicas tradicionais e das reposições cénicas relacionadas com as lides agrárias. 

Micaela Barbosa
20 Mai. 2024 7 mins

Surgiu em 1974 após um pedido, do então presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, a um casal meadelense que juntava um grupo de raparigas para um ou outro evento mais formal na cidade. “Temos a história muito bem documentada porque o primeiro presidente do grupo era Alfredo Reguengo, filho do fundador. Ele teve muito cuidado em registar tudo”, começou por referir Bruno Martins, presidente do Grupo Folclórico das Lavradeiras da Meadela, explicando que, naquela altura, o traje à vianense só se utilizava quando vinham as entidades às freguesias ou à cidade. “O autarca pediu-lhes para oficializar o grupo e, assim, criou-se o Rancho Regional de Lavradeiras da Meadela, que era assim que se chamava inicialmente”, acrescentou.

Passado quase um século da sua criação, o Grupo Folclórico das Lavradeiras da Meadela apresenta-se com outros trajes antigos como o de mordoma, o de domingar,  de trabalho e outros. “Fomos pioneiros em não usar só o traje tradicional, e ainda bem, porque mostra a riqueza etnográfica e, desde então, temos tentado manter essa riqueza que nos foi legada”, disse, garantindo que “é um prazer” mostrá-la. 

Há mais de 20 anos no grupo, Bruno Martins assumiu a presidência em 2019. Pouco tempo antes da covid-19. “Não foi grande coisa (risos), mas sempre tentamos dar a volta à pandemia”, sublinhou, contando que, no mesmo ano, ainda conseguiram ir ao estrangeirto participar num festival. “Quase dois meses depois, fomos para casa. Já o regresso foi faseado. Conseguimos passar por cima de muitas situações ao contrário de alguns testemunhos de outros grupos em que tiveram dificuldades no retorno à atividade”, admitiu, salientando que o grupo tinha “muita vontade” em regressar. “Fomos aproveitando as aberturas. Quando foi possível reunir, fora de espaços fechados, juntamos a malta toda e fomos fazer uma caminhada. Quando nos podemos juntar em espaços fechados, sem dançar, organizamo-nos em grupo de cinco e fizemos formações como meter o lenço ou colocar o ouro. Por fim, com as leis relativas à prática desportiva, tentamo-nos adaptar e fizemos os primeiros ensaios com o grupo dividido”, especificou, reconhecendo que dançar de máscara “não foi fácil”. 

Já com a abertura completa, o Grupo Folclórico das Lavradeiras da Meadela voltou em pleno à exceção da escola de folclore que, antes da pandemia, tinha “cerca de 30 crianças” e, hoje, são cerca de uma dezena. “Um dos nossos objetivos é apostar na escolinha. É uma atividade gratuita e diferente. Não é só dançar. Fazem-se brincadeiras do antigamente e, todos os anos, fazemos uma espécie de visita de estudo ao museu do traje ou do pão, por exemplo,  mostrando as nossas tradições”, exemplificou, salientando que “é uma atividade interessante para os miúdos” e que “tem valor” para o grupo porque “se forma e ensina a geração futura”. 

Atualmente, são cerca de 45 pessoas. A pessoa mais velha tem, segundo Bruno Martins, 70 anos e a mais nova tem 14. “A partilha geracional é ótima. Por um lado, temos um grupo muito jovem que participa nas nossas atividades. Dá frescura e leveza em cima do palco que é bonito de ser ver. Por outro, as pessoas mais antigas são os veículos de transmissão do que somos. Toda esta parte que nos é legada chega através destas pessoas mais antigas”, afirmou, admitindo a dificuldade em motivar os jovens que acontece em várias instituições e organizações.  “O movimento folclórico tem vindo a estar em constante mutação desde há muitos anos atrás. Há 40 anos, era parolo andar num grupo folclórico. Quando entrei, era espetacular porque funcionava como visita de estudo todos os sábados. Juntamos um grupo e íamos atuar. Era um alento. Neste momento, os jovens têm muitas distrações. Chegamos ao ponto de, no bolso, ter o mundo na palma da mão. Para quê sair se conseguimos ir a todo o lado sem sair do sofá?”, referiu, ressaltando que há outros jovens que têm interesse e trazem os seus amigos.  “O ambiente é especial. O pessoal gosta de vir para aqui”, assegurou.

Com as suas representações obteve inúmeros prémios e distinções, destacando-se pela sua importância o 1º. Prémio (Chinela de Ouro) pela sua participação e o Diploma de Honra pela indumentária no Festival Internacional de Danças Tradicionais de Szeged na Hungria, o 1º Prémio pela “Riqueza, Fidelidade Filológica e Correcta Transposição Cénica” no 26º Festival Mundial Castello de Gorizia (Itália), a Medalha de Bronze nas 55as Folcloríadas de Dijon (França) e, o 1º prémio, atribuído aos trajes apresentados no 9º Festival Internacional de Folclore de Istambul (Turquia) num conjunto de dezoito países presentes. “Já percorremos o país de lés a lés e, além fronteiras, passamos por vários países. É muito interessante, mas acarreta igualmente responsabilidade porque levamos a bandeira de Portugal connosco. Para além de mostrarmos a freguesia da Meadela e a cidade de Viana do Castelo, mostramos Portugal”, afirmou, especificando: “Aqui, quando envergamos o traje, representamos o nosso grupo. Lá fora, somos avaliados com e sem o traje. Desde que chegamos a outro país, estamos a ser avaliados.”

O presidente considerou ainda que as atuações internacionais acabam por ser uma escola porque têm de dar o seu melhor no palco. Muitas vezes, com grupos profissionais. Grupos que vivem para o folclore. “Nós temos um emprego e juntamo-nos duas vezes por semana para dançar. Lá fora, quem participa, vive disto. Por isso, temos que estar no nosso melhor, mostrando não só as nossas tradições como dar um espetáculo, mostrando que o nosso folclore é interessante e vale a pena ser visto”, acrescentou, garantindo que o feedback é “ótimo” devido à “gigantesca mais valia: o traje”. “O nosso traje é de uma beleza riquíssima. É feito à mão. Quando chegamos lá fora e as pessoas nos vêem é um impacto enorme. As pessoas adoram e, muitas vezes, querem tirar fotos connosco”, disse, exemplificando que, quando foram representar Portugal na Expo Xangai, em 2010, não conseguiam andar porque “eram milhares de pessoas que queriam tirar fotos”.

Bruno Martins considerou que “envergar o traje é uma coisa estrondosa”, sem esquecer a partilha de experiências com pessoas de outros países. Em Portugal, segundo o mesmo, “o povo valoriza” os grupos de folclore e, exemplo disso, são as festas da cidade, em que “os momentos etnográficos são os que trazem mais gente”. Já ao nível do poder central, os grupo de folclore são “o parente pobre da cultura” e os apoios são “rídiculos”. “É uma atividade que envolve muita gente. Há muito pouco apoio”, lamentou, reconhecendo os apoios que existem, mas “não são suficientes para cobrir todas as despesas”. 

Durante o ano, o Grupo Folclórico das Lavradeiras da Meadela tem uma agenda “cheia” de atuações pelas festas do país inteiro e, todos os anos, vão a um país diferente. 

O mês de maio foi “especial” porque comemoraram o 90º aniversário, que ficou marcado pelo Festim com grupos convidados e a eucaristia animada pelo grupo. 

O programa inclui ainda a realização de um tertúlia sobre temas relacionados com o folclore, duas exposições nos Antigos Paços do Concelho, um espetáculo na Meadela e um workshop. E, em 2025, pretendem fazer uma encenação histórica no Teatro Municipal Sá de Miranda.

Para os próximos 90 anos, o desejo de Bruno Martins é que o grupo se adapte aos novos tempos, mantendo o que é genuíno e cumprindo o rigor de trajar e das apresentações.

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