Ruminando a Carta Pastoral para este ano – Somos Igreja que Acolhe -, relendo seus números nos capítulos II-III, fazendo-os descer ao interior da vida, deparamo-nos com duas chaves nestes capítulos iniciais, chaves que obrigam a alguma paragem, a alguma pausa espiritual. A Carta faz o retorno para o interior de cada um, esfolheando o evangelho deste novo ano, Mateus, no ano A da Liturgia.
1.Ser feliz
A felicidade é uma tónica querida/procurada no tempo atual: mendiga-se o que parece miragem. Hoje, procura-se a felicidade como artefacto humano, como tantos outros. Para ela se afinam todas cordas possíveis, pois está na mirada de todos, por ela se labuta.
Tem de se transformar o objetivo e sobretudo abrir-se ao inédito que é dado, acolhendo tão somente aquilo que nos é dado. A felicidade não vem de fora, do exterior, mas de dentro, do pacto vital com o Invisível que nos criou e vela providentemente pela vida que circula e tem nome, o nosso: “a felicidade que Jesus proporciona é diferente daquela que o mundo propõe. A de Jesus nasce do amor com que ele nos acolhe e leva a acolher (…). O que só a Deus é possível, mas todo o ser humano mais deseja para si” (SIQA 16).
Acolhendo-a, a felicidade transforma quem a vive na disposição de estar de acordo consigo mesmo, com o seu interior; na pobreza; na docilidade pura de quem vive o Reino. A felicidade faz cada um, na autenticidade, ser misericordioso, como Deus é misericórdia. Os macarismos (SIQA 16) são “o portal de entrada” (SIQA 21) para o que se vai encontrar no sermão da montanha, discurso primeiro do Evangelho de Mateus: tende pessoalmente a verificar a exatidão ou não naquilo que faz para com os outros, para consigo mesmo e para com Deus.
2.Identidade anunciadora
Quem assim vive não tardará a perceber que está em missão por identidade. A missão não se cola exteriormente, mas vive-se no dia a dia do acolhimento do reino. Neste sentido aparece o segundo discurso de Mateus, o “discurso de missão” (SIQA 26). Cada um é enviado a desenvolver o que dá felicidade nele, convidando outros a fazerem a experiência, (o que é manifesto em tantas iniciativas dos jovens hoje), sobretudo é enviado aos que “se contentam com um cristianismo de consumo, sem efeitos vivos e vivificantes em si e nos outros” (SIQA 28). Uma missão “que não se poupa a esforços, nem é comercializável”, missão por amor de Jesus “que nos atrai e transforma em testemunhas do mesmo amor” (SIQA 29).
A missão não é somente um envio para o exterior, mas comporta um caminho com familiares, com os mais vizinhos; faz passar dificuldades, arrelias e perseguições: “arrepia ver a ovelha rodeada de lobos” (SIQA 31), mas é este o cenário. Importa hoje anunciar, num meio onde a Igreja é pouco apreciada, o que comporta angústias de quem deseja dar testemunho do bem. Importa não manipular discursos em seu proveito pessoal ou grupal, importa antes propor caminhos de paz e de convivência, sabendo que se vai contra a maré.
“Foi esse amor que, ao ser recebido pelo apóstolo na sua vocação, transformou de tal modo a sua vida que esta passou a consistir numa vivência do evangelho. O apóstolo fala do que vive e se vê na sua vida” (SIQA 33).
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