Estado e Nacionalizar é o refrão eleitoral da CDU

A CDU arrancou a campanha eleitoral com Paulo Raimundo afirmando que o partido vai “crescer”. No entanto, as últimas sondagens mostram que “a CDU continua muito para baixo nas intenções de voto”. Ainda assim, o cabeça-de-lista pelo círculo eleitoral de Viana do Castelo, Joaquim Celestino, procura realçar a coerência do partido ao longo dos anos, acreditando que isso é um trunfo eleitoral. Embora afirme que “é inegável” que, “até 2021, houve um tipo de governação" e, “com as eleições de 2022, passou a outro tipo de governação diferente”, quando questionado sobre quais os contributos da CDU para o distrito nos anos da “geringonça”, mesmo não tendo elegido nenhum deputado, o professor de 51 anos respondeu com uma medida de impacto nacional, como o aumento dos salários.

Micaela Barbosa
8 Fev. 2024 11 mins
Estado e Nacionalizar é o refrão eleitoral da CDU

Perda demográfica e partidária dos jovens

Aquando da entrevista, ainda não existia um programa eleitoral, mas, na mesma semana, numa audição para o preparar, Paulo Raimundo, criticou a política de contas certas do PS, identificando nela a “maior batalha atual”. Quisemos saber se a opção seria finanças públicas desreguladas. “De todo. Isso não faz sentido nenhum.”, respondeu Joaquim Celestino, questionando: “No mundo globalizado em que vivemos, onde se faz gestão da dívida, que se compra e vende dívida, que se faz dinheiro com a dívida dos países, o que são contas certas? É chegarmos ao final de um ano e termos um superavit e um povo a sofrer?”

Recorrendo ao exemplo dos jovens, o professor lamenta a sua perda demográfica. “Não lhe será alheio que os jovens sintam medo de enfrentar um futuro que é incerto. Não querem constituir família, porque receiam não poder sustentar essa mesma família. Receiam que  a vida que ansiavam lhes seja agourada. É justo fazer isso, tendo em conta as contas certas? É justo sacrificar o futuro e a vida dos jovens, só porque o que importa mais é ter contas certas?” continuou, frisando que “as contas certas têm prejudicado, ao longo dos últimos anos, aqueles que são mais frágeis, que têm uma vida pela frente e que, infelizmente, no nosso país é a maioria da população”.

Aproveitando a deixa, questionámos acerca da ligação entre o PCP e a participação partidária dos jovens. As últimas sondagens colocam o Chega com posição reforçada como terceira força política, perante as intenções de voto para as próximas legislativas, mas, na faixa etária dos 18-34 anos, é a preferência de maior parte (22,5%), ultrapassando o PSD (21,9%), registando a CDU menos de 2% nas intenções de voto. Aliando a isso, se, nesta legislatura o PCP tinha seis deputados, dois deles com menos de 35 anos – Alma Rivera e Duarte Alves –, após as eleições legislativas de 10 de março, há grandes probabilidades de a bancada parlamentar comunista ficar sem jovens, já que até esses deputados foram colocados em lugares distantes nas listas ou em círculos eleitorais onde o partido deixou de eleger. Em Viana do Castelo, não há sequer um candidato com menos de 30 anos. “Isto não é contraproducente, num partido que tem, mediaticamente, a fama de envelhecido e de que um dos mais recentes lemas é «o futuro tem partido»?”, questionámos.

“Há 30/40 anos atrás, uma pessoa com 20 anos era um jovem a entrar na vida adulta e que, eventualmente, tinha uma perspetiva de vida, e a quem, ao longo dos anos seguintes, depois de 25 de abril, com as crises que vivemos e com recurso a financiamento estrangeiro como o nosso país teve, foi possível construir vida e tornar-se rapidamente um adulto. Hoje, alargamos muito mais a margem dos jovens”, apontou, considerando que, hoje, “é muito difícil dizer realmente onde começa e acaba a juventude” e que, por isso, a lista do círculo eleitoral de Viana do Castelo é “jovem, ativa, autónoma e independente”. “Sei que passei o meio século, mas não sou, propriamente, uma pessoa velha. Creio que estou numa idade que me permite fazer uma boa relação entre aqueles que são os mais jovens e aquelas pessoas mais velhas”, referiu, entre risos, não concordando com o facto de o seu partido ser apelidado velho. “Velhas são as ideias que se têm mantido à frente dos desígnios do nosso Estado, e velhas são as ideias que assustam, também, com alguns futuros incertos que podem advir por certas escolhas que podem vir a ser feitas nas próximas eleições. Isso sim, é que é velho”.

Medidas de esquerda e direita

Nas últimas eleições, também se verificou uma transferência de votos da CDU para o Chega, que quer taxar os lucros excessivos da banca para suportar o investimento na habitação e que propôs o “término do IMI e do IUC”, a “colocação das pensões ao nível do salário mínimo nacional”, a “reposição do salário mínimo”, e que “os professores possam ver a sua carreira normalizada em quatro anos”. Mas ainda recentemente, Isabel Camarinha propôs “pôr os lucros da banca a suportar os créditos à habitação”.

“Olhando para as medidas em concreto, há realmente diferenças entre os dois partidos? Algumas delas, são medidas clássicas do PCP?”, questionámos. Joaquim Celestino não hesitou e afirmou que “há uma diferença abismal” entre o PCP e o Chega. “Primeiro, nós somos um coletivo. Não somos um grupo de pessoas que estão agremiadas e olhando apenas para um líder”, referiu, continuando: “No mesmo dia e no mesmo momento, em que faz essas declarações, o líder (André Ventura) faz outras que apontam para o aumento do investimento nas parcerias público privadas (PPP). Portanto, estamos a falar de alguém que mostra e evidencia bem o seu populismo para agradar a um lado e agradar a outro. Mas também falamos de alguém que diz que o vai/pretende fazer para taxar esses lucros excessivos, mas, quando fala na possibilidade de vir a assumir funções governativas, as pessoas que vai buscar são as pessoas, que no passado, de alguma forma, estiveram ligadas à gestão do país que ele próprio crítica, com as ligações entre o poder, hipoteticamente, do Estado e o poder económico.”

Admitindo a medida – taxar os lucros excessivos da banca para suportar o investimento na habitação – como de esquerda, o cabeça-de-lista considera que “o importante” é as pessoas questionarem-se “como é que o mesmo partido que consegue defender medidas que apelam mais à responsabilidade do Estado e, portanto, medidas mais de esquerda, ao mesmo tempo, aponta medidas ultraliberais”.

Desinvestimentos

Também recentemente, Paulo Raimundo afirmou que o Estado está “sem condições, sem recursos humanos e sem organização para dar respostas” mas, no mesmo discurso, referiu que “temos de ter um Estado como um agente central do desenvolvimento económico, não apenas como concessão de apoios”. Confrontando Joaquim Celestino, o Notícias de Viana quis perceber como pode um Estado descrito como sem recursos, ser um agente central do desenvolvimento económico. “Sem recursos, porque os disponibiliza para o sector privado”, explicou, exemplificando as transferências do Estado para o sector privado, na saúde. “O grande problema está no desinvestimento que vem do Orçamento de Estado. As pessoas olham para o Orçamento e veem que é um grande valor que está alocado à saúde. Pois está, com o desvio que vai para o sector privado. Assim, o Governo e o Estado português ficam sem recursos, porque o que estão a transferir é para o sector privado. Sim, o Estado português tem de ser o motor. O motor da economia e do desenvolvimento e, por isso, tem de chamar a si sectores estratégicos”, argumentou.

Perdas para o sector privado

Regressando aos sectores estratégicos, o cabeça-de-lista por Viana do Castelo recordou o caso dos Estaleiros Navais, que era “extremamente importante” para a comunidade e o país. “Era um sector estratégico, que dava identidade, mas, acima de tudo, era um sector que nos garantia uma posição de construção naval no plano nacional e mundial”, defendeu, sublinhando “a força” do trabalho e “conhecimento”, que “se decidiu desperdiçar”. “Ora, se continuarmos a dar ao desbarato todo o sector público, que deveria estar nas mãos do Estado, perderemos os recursos e perderemos a capacidade de utilizar essa influência da esfera pública para dinamizar a economia e trazer melhores rendimentos às pessoas, melhores salários e, já agora, muito importante, e como temos vindo a defender, a aproximação do salário médio. Não é só a questão da subida do salário, como também defendemos a aproximação do salário médio e nacional àquele que é o salário médio da União Europeia”, frisou, criticando: “Que União Europeia é esta, e que países permitem que haja esta grande assimetria entre aquele que é o salário médio que é praticado na média da União Europeia e aquele que é praticado no nosso país? Isto é insustentável.”

Ainda sobre os Estaleiros Navais, insistimos: “Desde a sua resolução até aos dias de hoje, não é evidente que foi a melhor solução?” A CDU diz não ver essa evidência. “É preciso ouvir muito bem os trabalhadores e perceber a realidade que se está a sentir”, frisou Joaquim Celestino, assegurando que “é evidente a diferença entre a massa do trabalho que existia e a que existe agora”.

De acordo com uma notícia ao ECO, em 2022, desde que assumiu a subconcessão dos Estaleiros de Viana, “a West Sea calcula já ter realizado 17 construções navais – entre as quais dez navios cruzeiros de rio, três navios polares de expedição e dois navios militares. Além de reparações em 320 navios e quatro conversões, com estas duas atividades a representar cerca de 30% do total da produção, que assegura atualmente perto de 380 empregos”. “No final do primeiro semestre de 2022, a carteira de encomendas totalizava 243 milhões de euros”, lê-se na notícia.

Ainda assim, o professor convidou “a olhar para o número de trabalhadores que tinha e que tem e a sustentabilidade do número de famílias que existiam para o número de famílias que existem”, mas, sobretudo, “a olhar para o passado e questionar porque é que se arrepiou caminho quando se poderia ter aguardado, inclusivamente, investimento europeu para os salvar”. “O que nos parece mais relevante é que estão sem a esfera pública presente. É inegável que é uma grande perda para o Estado português”, lamentou.

Uma das outras “bandeiras” do PCP são as nacionalizações. Neste sentido, pedimos um exemplo de uma nacionalização bem feita e as suas vantagens. Joaquim Celestino aponta o poder de decisão e, dando exemplo do sector da energia, alega que “a dependência energética (de Portugal) face ao capital estrangeiro é alarmante”. “Nas comunicações, estamos à mercê daquele que é o interesse mundial e dos grandes grupos económicos”, continuou.

Sem referir um exemplo de uma nacionalização bem feita, o candidato apenas se remeteu “às privatizações mal feitas”. “A TAP, por exemplo. Como vê este caso?”, questionámos. “A não ser que acredite que não é estratégico para um país ter uma empresa de aviação de bandeira nacional… Se vocês acreditam que não há interesse nacional em termos nas mãos do Estado português o controle efetivo de uma empresa de navegação aérea, pois então estamos nos antípodas”, atirou, analisando a condução dos processos pelo Estado português que “têm vindo a acontecer pela gestão que, por vezes, é danosa, e pelos negócios que estão por detrás”. “O problema não esteve na nacionalização. Está na forma como, depois, se gere a empresa em si e o interesse público sob o domínio do Estado. Aí, cabe aos Governos uma gestão mais criteriosa e uma responsabilidade muito maior e, por isso, o PCP também exige essa mesma responsabilidade para que seja, de facto, assumida a todo o tempo”, argumentou.

indicadores, mas com a ajuda de injeções de capital.

Segundo o relatório do Conselho de Finanças Públicas (CFP), divulgado em fevereiro do ano passado, as empresas das quais o Estado português é acionista registaram um resultado negativo de 3,1 mil milhões de euros em 2021, uma melhoria de 708 milhões de euros em relação ao ano anterior. Estas entidades, que representam 3,2% do emprego nacional e 19,9% do emprego público, registaram uma melhoria da generalidade dos

Neste sentido, interrogámos Joaquim Celestino se “não é sinal de que o Estado não tem capacidade para gerir com competência”. “O Estado tem capacidade para gerir, criar e até privatizar. Esse é o grande problema. Temos de ver é ao serviço de quem é que o Estado está”, considerou, lembrando que o PCP defende que “o Estado tem de estar ao serviço das pessoas no seu desenvolvimento, na sua capacidade de realização e na geração de condições de vida, de paz, equilíbrio e liberdade”.

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