E se Jesus concorresse à Câmara Municipal?

Diogo Fernandes
10 Out. 2025 5 mins
O churrasco e a missa

Estamos em plena campanha eleitoral e Viana do Castelo parece um mercado de sexta-feira: bancas coloridas, promessas fresquinhas como peixe a brilhar ao sol e vendedores (ou melhor, candidatos) que garantem que o seu produto é o mais saboroso, o mais honesto e o mais barato. O eleitor circula entre sorrisos, bandeirinhas e brindes, tentando perceber quem é o menos “caro” para a sua paciência.

E eu, a ver tudo isto, não resisto a uma provocação: e se Jesus concorresse à Câmara Municipal de Viana do Castelo?

Antes de mais, convém dizer que a campanha seria curta. Nada de outdoors gigantes a tapar as vistas do rio Lima. Nada de carros com altifalantes a gritar slogans desafinados. Bastava uma caminhada descalço pela marginal e, no fim, umas sandes partilhadas. E pronto, lá estava feita a “apresentação oficial” do candidato.

Os debates televisivos seriam um espetáculo à parte. Enquanto os outros discutiriam quem fez mais rotundas ou quem inaugurou mais obras, Jesus responderia com parábolas. Imaginem o moderador a insistir:

— Sr. candidato Jesus, qual é o seu plano para resolver o problema da habitação?

E Ele, tranquilo:

— “Havia um homem que construiu a sua casa sobre a rocha…”

Pronto. Metade da população acharia genial, a outra metade desligava a televisão a resmungar: “Lá vem este outra vez com histórias!”.

Mas atenção: Jesus não teria vida fácil. Logo no primeiro comício aparecia alguém a gritar:

— Olhe que o senhor cura doentes sem pagar taxas moderadoras! Isso é concorrência desleal para o SNS!

Outro, indignado:

— Multiplicou pães e peixes sem registar a atividade nas Finanças!

E quanto à promessa eleitoral, não restaria dúvida: “Amai-vos uns aos outros.”.

Claro que haveria quem perguntasse:

— E com que orçamento?

Na política local, Jesus ia arranjar chatices. Imaginem-no a entrar no mercado municipal, a virar bancas de corrupção e favoritismos e a dizer: “A minha casa deve ser casa de todos, não caverna de interesses!”. Metade dos eleitores aplaudia, a outra metade já estava a escrever no Facebook: “Populista! Não percebe nada de economia!”.

E quanto às obras públicas? Nada de prometer estradas e pontes novas. Jesus contentava-se em andar a pé ou de barquinho no Lima. No máximo, uma ciclovia até Jerusalém, mas só para quem tivesse pedalada.

As sondagens, essas, seriam divertidas:

— Jesus sobe 5 pontos porque curou a sogra de um eleitor.

— Desce 3 porque expulsou uns vendilhões da feira.

E, claro, haveria sempre quem dissesse:

— Eu até gostava dele, mas fala muito em perdão. Prefiro alguém mais duro!

No dia das eleições, a afluência seria inédita. Uns votariam nele por fé, outros por curiosidade, outros só para ver se finalmente alguém cumpre o que promete. A contagem dos votos demoraria pouco: Jesus teria maioria absoluta. Mas logo apareceria um opositor a protestar:

— Não vale, Ele até ressuscita votos nulos!

E qual seria o primeiro despacho do novo presidente da Câmara? Talvez este: “A partir de agora, todos são convidados para a mesa. Não há ricos nem pobres, esquerda nem direita, todos juntos a partilhar o mesmo pão.”. Imaginem a confusão no protocolo municipal: cadeiras extra, guardanapos a voar e um funcionário a perguntar aflito:

— Senhor presidente, mas quem paga tudo isto?

E Jesus, sorridente:

— Já está pago.

Brincadeiras à parte, esta imaginação serve para recordar algo sério. Estamos no auge do frenesim eleitoral e é natural que haja divisões. Há quem se zangue na fila do pão porque o padeiro pendurou um cartaz “do outro”. Há quem deixe de falar ao vizinho porque ele vota “errado”. E há quem pense que, depois de 12 de outubro, o mundo acaba se o seu candidato não ganhar.

Mas Viana não vai acabar. Nem o Mundo. O que importa, no dia seguinte às eleições, é que continuemos todos a ser Vianenses antes de sermos de qualquer partido. O rio Lima continuará a correr, o mar continuará a bater nas pedras da Praia Norte e nós continuaremos a precisar uns dos outros para levar Viana ao Mundo.

Jesus, se fosse autarca, não governaria com insultos, mas com serviço. Não dividiria, mas juntaria. Não prometia mundos e fundos, mas convidava-nos a sermos melhores uns para os outros. É isso que nos falta muitas vezes: perceber que não é a cor da bandeira que importa, mas a dignidade da pessoa.

Portanto, caros vianenses, no dia em que forem votar, votem com consciência, votem com liberdade, mas não deixem que a política vos roube a amizade e a alegria de viver juntos. A câmara municipal passa, os mandatos acabam, mas a comunidade permanece. E essa é a verdadeira vitória que precisamos de construir: uma Viana que não se fecha em discussões mesquinhas, mas que se abre ao mundo com generosidade e esperança.

E se Jesus não concorreu à câmara, é porque continua a concorrer ao nosso coração. Esse voto, ao contrário dos outros, nunca é secreto: nota-se na maneira como tratamos o próximo, mesmo que ele tenha posto no quintal um cartaz do candidato que mais nos irrita.

No fundo, a pergunta não é se Jesus seria eleito em Viana. A pergunta é: e nós, seríamos capazes de governar como Ele?

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