Especialistas portugueses destacaram que melhorar a literacia em saúde envolve muito mais do que transmitir informação: requer ética, justiça, políticas públicas e criação de condições reais para que a população possa aplicar os conhecimentos no dia a dia. Esta foi uma das mensagens centrais do II Encontro da Rede Académica de Literacia em Saúde (RALS), que reuniu académicos, profissionais de saúde, autarquias e escolas em Viana do Castelo.
Na sessão de abertura, Ana Rita Pedro, coordenadora da RALS, sublinhou os desafios da atual “era marcada pela abundância de informação, mas também pela complexidade da sua interpretação”. Para a especialista, desenvolver competências de literacia em saúde é essencial não apenas para reduzir desigualdades, mas também para fortalecer a cidadania e a participação ativa na sociedade.
Já Ana Escoval, membro da equipa coordenadora, enfatizou que “a força da saúde está nas parcerias, nomeadamente com as autarquias”. “A literacia em saúde organizacional é efetivamente algo muito importante e se calhar não pensamos nesta componente tanto quanto pensamos nas componentes mais da doença, ou da saúde, ou da promoção ou da prevenção”, alertou.
Durante o encontro, a professora Rafaela Rosário, da Universidade do Minho, explicou que promover a saúde é uma responsabilidade das organizações, não apenas dos indivíduos. “O indivíduo está inserido em múltiplos sistemas, e é neste nível que surge o conceito de literacia em saúde organizacional”, explicou, considerando que “a mudança é possível, mas exige o envolvimento de toda a comunidade”.
Rosinda Costa, da Unidade Local de Saúde do Alto Minho, defendeu que a literacia em saúde começa dentro das próprias organizações de saúde. Para a especialista, “cuidar de quem cuida” é fundamental para qualquer estratégia eficaz, transformando iniciativas pontuais em compromissos institucionais com o bem-estar dos profissionais.
Segundo a oradora, uma organização com elevada literacia em saúde funciona como “um ecossistema que respira bem-estar de dentro para fora”, refletindo-se diretamente na qualidade do cuidado prestado à população.
A nutricionista Rayana Marcela Oliveira destacou a importância da literacia alimentar, que vai além do conhecimento sobre nutrientes, envolvendo competências práticas, impacto ambiental e dimensão cultural. “É a maneira que nós temos de transmitir na prática o que é uma alimentação saudável”, explicou, defendendo que a educação nutricional deve ir além da sala de aula, alinhando teoria e prática nos refeitórios escolares.
Já Rita Rodrigues, coordenadora do projeto IMPEC+, mostrou como a literacia em saúde se transforma quando aplicada em contextos académicos. Para ela, trata-se de “participar com as pessoas”, acompanhando-as num processo de compreensão, reflexão e tomada de decisões conscientes, criando “espaços inclusivos, espaços participativos”.
Marta Marques, da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade de Lisboa, alertou para a necessidade de integrar a literacia em saúde com ciência comportamental e contextos reais.
Usando exemplos como o sono ou campanhas de prevenção, a oradora explicou que a informação é apenas uma peça de um quebra-cabeças maior, que inclui “capacidade, motivação e oportunidade”. Para garantir clareza e replicabilidade das intervenções, defendeu a uniformização da linguagem utilizada pelos investigadores.
O projeto “Dramaticamente: Saúde Psicológica em Cena”, apresentado por Daniel Gonçalves em Viana do Castelo, utilizou o teatro para promover competências emocionais e de comunicação numa turma de 6.º ano de um território socialmente vulnerável. “A melhor forma de chegar à mente é passar pelas emoções – e o palco pode ser um bom ponto de partida”, referiu
Lucília Nunes, do Instituto Politécnico de Setúbal, questionou a ideia de que os doentes precisam ser mais autónomos, ligando a literacia em saúde à dignidade humana. A literacia em saúde, definiu, são as “competências ou habilidades para aceder, compreender, avaliar e aplicar informação de saúde”
Recorrendo a estudos de 2004, 2013 e 2024, destacou problemas recorrentes como a incomunicabilidade, as desigualdades no acesso e a relação entre baixa literacia e piores resultados em saúde.
A oradora sublinhou ainda a importância do “respeito pela autonomia”, lembrando que esta depende de condições sociais, económicas e políticas, “Não podemos culpar a vítima”, afirmou.
Gustavo Tato Borges, médico e delegado de saúde regional do Norte, defendeu que a literacia em saúde exige criar condições reais para que os conhecimentos possam ser aplicados. “Nós podemos dar as ferramentas para [as pessoas] aprenderem competências, mas temos que olhar para a sociedade como um todo”, afirmou, alertando para limitações econômicas, de tempo e de infraestrutura que dificultam escolhas saudáveis.
O orador reforçou que estratégias puramente educativas são “insuficientes” e destacou a importância da cocriação com os cidadão. “Ouvir o cidadão, ouvir quem representa os cidadãos para trabalharmos para essas necessidades. Quando nos envolvemos nisto, vamos ter melhores resultados”, defendeu, acrescentando que permitirá a todos “atingir o seu potencial de saúde” e “precisem menos do serviço de saúde porque estão mais autónomas e sabem exatamente o que fazer”.
Inês Morais Vilaça, da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, destacou a importância de unir esforços e evitar sobreposição de projetos, defendendo que a sustentabilidade depende da capacidade de replicação. “Nós às vezes ficamos agarradíssimos aos nossos projetos porque achamos que são os nossos. E os projetos não são nossos. Os projetos têm umas práticas que são para replicar”, disse, sublinhando que a literacia em saúde só cumpre o seu papel quando integrada em políticas públicas e quando se trabalha de forma colaborativa. “Trabalhar em conjunto também com as pessoas, as políticas, para fazer acontecer”, concluiu.
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