O candidato do Bloco de Esquerda (BE) à Câmara Municipal de Viana do Castelo, Carlos Torre, apresentou as principais linhas da sua candidatura em entrevista recente, sublinhando a habitação como a “grande emergência” do concelho, mas também destacando propostas quanto a cultura, mobilidade e participação democrática. O bloquista traçou, ainda, críticas duras à forma como a autarquia tem sido governada, e situou a candidatura no panorama político destas eleições.
Habitação: a prioridade absoluta
Para Carlos Torre, o problema da habitação em Viana do Castelo não pode mais ser ignorado. “A grande emergência em Viana é a habitação”, afirmou, explicando que o mercado imobiliário está “completamente dissociado das necessidades das pessoas que cá vivem”.
O candidato descreveu uma realidade em que os salários médios não permitem acesso a casas. “Quem ganha 1.200 euros não consegue pagar uma renda ou comprar casa em Viana. Não pode. Não tem qualquer possibilidade”, sublinha.
O BE propõe canalizar para esta área os cerca de cinco milhões de euros que a Câmara arrecada anualmente da retenção de 5% do IRS. Segundo Carlos Torre, esses fundos poderiam traduzir-se em “16 milhões no espaço de um mandato, para reforçar o orçamento da habitação pública”.
Além disso, defende que a habitação deve deixar de ser vista como um “produto financeiro”, e voltar a ser encarada como um direito fundamental. “É compensador ter uma casa abandonada, porque ela vai valorizar. Isto é um sistema perverso que desvirtua o acesso à dignidade básica da habitação”, afirma.
Cultura: de “parente pobre” a prioridade
Outro eixo fundamental da candidatura é a cultura. O candidato critica a autarquia por tratar esta área como secundária. “A cultura tem sido maltratada na cidade e no concelho de Viana. Tem sido um parente pobre do orçamento municipal”, atira.
O BE quer inverter esta lógica, e propõe que 20% da verba libertada do IRS (cerca de um milhão de euros por ano) seja aplicada em projetos culturais definidos por orçamentos participativos. O objetivo é descentralizar a cultura, dando oportunidades, tanto na cidade como nas freguesias.
Carlos Torre denunciou, ainda, a forma como as associações culturais são tratadas. “As associações chegam a estar um ano à espera de um subsídio que lhes foi atribuído e de que precisam para o trabalho que vão fazer. Isso é indigno”, considera.
Em termos concretos, o candidato aponta a falta de equipamentos e espaços permanentes para o sector cultural. “Viana tem problemas de memória graves. Há muita gente a trabalhar em artes plásticas, música, cinema ou fotografia, mas faltam equipamentos. Até o cinema funciona em condições miseráveis”, especifica.
Mobilidade: transportes públicos como sistema “arterial”
A mobilidade é outro dos pilares do programa. Carlos Torre considera positivo que a Câmara assuma um sistema municipal de autocarros, mas alerta para a necessidade de garantir horários regulares e abrangentes. “É preciso que estes autocarros funcionem como um sistema arterial, de veias capazes de manter vivo o concelho”, sublinha.
O candidato destaca, também, a injustiça dos preços praticados nas ligações ferroviárias. “Quem vai de Braga para o Porto, paga metade do preço do quilómetro do que quem vai de Viana para o Porto. Isto já devia ter sido alterado”, refere.
No seu entender, a aposta na mobilidade é essencial para reduzir o estrangulamento rodoviário da cidade e permitir que todos tenham acesso às oportunidades urbanas. “A mobilidade é um fator de equilíbrio e de dignidade dos diferentes pontos do concelho”, defende.
Economia e desenvolvimento: contra decisões “aceleradas”
No campo económico, Carlos Torre alerta para os riscos de um modelo baseado em decisões rápidas e pouco transparentes. A propósito da instalação de uma nova empresa em Darque, o candidato considerou que o processo foi “rápido demais”, com suspensões do Plano Diretor Municipal sem garantias de avaliação. “Não devemos descurar alguns princípios básicos, se quisermos um modelo de desenvolvimento sólido”, diz.
Embora sublinhe a importância do emprego, recusa “políticas de curto prazo” que não respeitem o território. Critica, também, a atual estratégia municipal de diplomacia económica. “Não me parece que essa captação de investimento esteja a ser feita com um modelo de desenvolvimento associado”, observa.
Críticas à governação municipal
Carlos Torre acusa a atual gestão de falta de participação e transparência. “É mais fácil pegarem em três ou quatro iluminados e decidir as coisas. Mas sujeitar os processos a mais saberes e opiniões, só pode enriquecer”, refere.
Entre os exemplos, o candidato aponta o processo do Mercado Municipal, que descreve como uma oportunidade perdida. “Foi conduzido com algum desprezo pelos primeiros projetistas, por uma discussão mais alargada na cidade e até por um sentido estratégico”, lamentou.
Para o bloquista, a Câmara precisa de mudar radicalmente a sua cultura política e administrativa. “Queremos uma Câmara a pensar em toda a gente, que trate bem toda a gente. Na prática, significa uma Câmara menos fechada à maioria da população e mais aberta a todos”, explica.
Democracia e participação: transparência como regra
O candidato insiste na necessidade de aproximar os cidadãos das decisões municipais. Entre as medidas propostas, estão a transmissão online das reuniões de Assembleia Municipal e a simplificação dos processos de consulta pública. “É preciso menos propaganda e mais informação. Uma Câmara que se queira transparente tem de investir em comunicação clara e acessível, para que os cidadãos possam formar opiniões sustentadas”, salienta.
O posicionamento do BE nestas eleições
Sobre a posição do BE no atual quadro político, Carlos Torre explicou que o partido procurou uma convergência mais ampla à esquerda, mas acabou por avançar sozinho. “Não creio que haja diferenças de fundo que dificultem essa convergência, mas o PCP não está aberto a coligações, e o Livre acabou por não concretizar a sua candidatura”, conta.
Mesmo assim, acredita que os eleitores de outros partidos de esquerda poderão rever-se nas propostas do BE. E deixa uma nota sobre alianças futuras: “Estamos disponíveis para construir soluções governamentais com todos, desde que sejam no interesse do desenvolvimento e da humanização desse desenvolvimento”.
Quanto à extrema-direita, é categórico. “O Chega não é apenas um adversário, é um inimigo do Bloco e da democracia portuguesa”, conclui.
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