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“Esquecemos os números, mas nunca esquecemos um nome”. Um dia com a equipa de rua do Gabinete de Atendimento à Família

Viana do Castelo, 9h da manhã. A porta da carrinha fecha-se. Dentro da viatura do Gabinete de Atendimento à Família (GAF) vai uma equipa multidisciplinar - uma educadora social, uma assistente social e um psicólogo - que se prepara para mais uma ação de rua. É sexta-feira, dia de visitas domiciliárias a utentes com histórias de álcool, recaídas e recomeços.

Micaela Barbosa
15 Set. 2025 8 mins

Cláudia Marinho é a coordenadora da Equipa IR+, que atua “numa ótica de redução de riscos e minimização de danos”. É quem conduz a carrinha. Luís, psicólogo, vai ao lado. E, no banco de trás, vai Joana, assistente social, a adiantar algum trabalho. Deslocam-se até Vila Nova de Cerveira para visitar um dos utentes, de 53 anos, que acompanham desde 2019. Já não consome álcool “há cerca de três anos”. “Não comia. Só bebia. Isso não era vida e, quando me vi mais atrapalhado, pedi ajuda. Agora, sinto-me melhor”, contou, garantindo que o apoio da equipa foi uma “grande ajuda”.

A segunda visita foi a um utente de 50 anos, que também é acompanhado “há alguns anos”. No entanto, a situação é “mais complicada”. Retomou o consumo de álcool e nega-o. Para além desta realidade, há muitos problemas de saúde. “No início, sei que não foi fácil e nem sempre me portei bem. Agora reconheço, e gosto de os ter aqui. Ajudaram-me quando precisei. Não tenho razão de queixa”, afirmou.

Perto da hora de almoço, a equipa regressa ao GAF. Num dos seus edifícios, está mais uma educadora social (Carina) e uma enfermeira (Ana Sofia) a cumprir com o programa de substituição com metadona, que atualmente é suportado pela Câmara Municipal de Viana do Castelo porque “o Estado deixou de comparticipar”.

Por mês, são sensivelmente 22 utentes que, através do Centro de Resposta Integrada de Viana do Castelo, chegam ao GAF para receber metadona, um opiáceo sintético, administrado de forma controlada e sob supervisão médica, com o objetivo de “reduzir os danos associados ao consumo de drogas ilícitas” e “facilitar a reintegração social”. “Aqui, esquecemos os números, mas nunca esquecemos o nome de um utente”, frisou Cláudia Marinho.

Um dos utentes tem 44 anos e começou a consumir heroína e cocaína devido a problemas familiares. Está a ser acompanhado “há dois anos” e, segundo o próprio, não consome desde aí. “Fui pedir ajuda à minha irmã e ela encaminhou-me para aqui. Sinto-me acolhido e ajudado”, garantiu, contando que, recentemente, tirou a carta de marinheiro e que se tem dedicado à pesca. “O apoio psicológico é muito importante e, agora, estou a ficar melhor”, destacou, confidenciando que também foi sem-abrigo. “Entretanto, fui morar com a minha irmã. Tem sido um apoio muito importante”, admitiu. 

Além da metadona, há doces para levar para o resto do dia. “Muitas vezes, é a única refeição. Infelizmente, há desleixo”, confidenciou Carina. 

O destino seguinte é Vila Nova de Anha, uma das freguesias do concelho. Ali trabalham várias mulheres em situação de prostituição, em apartamentos ou na rua. Não há julgamentos. A preocupação é com a saúde pública.

Carina é quem conduz a carrinha. Mara vai ao lado e, consigo, tem caixas de preservativos (femininos e masculinos) e ainda lubrificantes. Hoje, saiu para entregar esse material. No entanto, o trabalho da equipa vai além da distribuição: promove rastreios a doenças sexualmente transmissíveis e, por vezes, presta também apoio jurídico. “Atendemos, por mês, uma média de 30 pessoas, em rua e apartamento, no distrito”, indicaram, salientando que “a maior parte é preocupada e defende o uso de preservativo”. “Por vezes, os clientes aliciam-nas pagando mais, mas elas resistem. Infelizmente, ainda há alguma desinformação e elas próprias acabam também por educar”, contaram, acrescentando que “têm médico de família e procuram fazer análises regularmente” porque “querem manter-se saudáveis”.   

Para quem já conhece a carrinha, basta dirigir-se ao vidro, cumprimentar e, dependendo dos dias, conversar sobre os mais variados temas. Para quem é novo, a equipa apresenta-se, explica os serviços que presta e distribui flyers informativos sobre a lei portuguesa, os direitos sociais e os serviços públicos de saúde. 

As histórias de vida das mulheres que acompanham são diversas. “Umas vêm de famílias em que esta realidade já existia, outras conheceram pessoas no meio que as levaram. Algumas estão inscritas no fundo de desemprego ou têm outras atividades paralelas. Há quem tenha saído e reentrado mais tarde. Há casadas, com filhos, e algumas consomem. Existem também estrangeiras que enviam dinheiro para as famílias ou que estão a pagar os estudos dos filhos”, partilharam.

O que só se vê quando se está no terreno

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