Domingo de Ramos
“Todos os anos, esta liturgia da Semana Santa cria em nós uma atitude interior de espanto, de surpresa: passamos da alegria de acolher Jesus, que entra em Jerusalém, à tristeza de O ver condenado à morte e crucificado. Jesus começa logo por nos surpreender! O Seu povo acolhe-O sole- nemente, mas Ele entra em Jerusalém num jumentinho. O Seu povo espera o poderoso libertador, mas Jesus vem cumprir a Páscoa com o Seu sacrifício. O Seu povo espera celebrar a vitória sobre os romanos com a espada, mas Jesus vem celebrar a vitória de Deus com a cruz. Que se passou com aquele povo que, em poucos dias, passou dos‘hossanas’aJesus,aogrito‘crucifica-O’? Aquelas pessoas seguiam mais uma imagem de Messias do que o Messias. Admiravam Jesus, mas não estavam prontas para se deixar surpreender por Ele.”
“Também hoje há muitos que admiram
Jesus: falou bem, amou e perdoou, o Seu exemplo mudou a história… Admiram-No, mas a vida deles não muda. Porque não basta admirar Jesus; é preciso segui-Lo no Seu caminho, deixar-se interpelar por Ele: passar da admiração à surpresa. E o aspeto que mais nos surpreende é Ele chegar à glória pelo caminho da humilhação. Triunfa acolhendo a dor e a morte, que nós evita- ríamos. Isto surpreende, ver o Omnipotente reduzido a nada; vê-Lo, Palavra que sabe tudo, ensinar-nos em silêncio, na cátedra da cruz; ver o Rei dos reis que, por trono, tem um patíbulo; ver o Deus do universo des- pojado de tudo; vê-Lo coroado de espinhos, em vez de glória; vê-Lo, a Ele, bondade em pessoa, ser insultado e vexado”.“Jesus sobe à cruz para descer ao nosso sofrimento. Prova os nossos piores estados de ânimo: o fracasso, a rejeição geral, a traição do amigo e até o abandono de Deus. O seu amor aproxima-se das nossas fragilidades, chega até onde mais nos envergonhamos. Agora sabemos que não estamos sozinhos: Deus está connosco em cada ferida, em cada susto: nenhum mal, nenhum pecado tem a última palavra. Deus vence, mas a palma da vitória passa pelo madeiro da cruz. Por isso, os ramos e a cruz estão juntos”.
Quinta-feira Santa
“A rapidez com que se desencadeou a fúria e a brutalidade do encarniçamento, capaz de matar o Senhor, mostra-nos que andam juntas a hora do anúncio jubilo- so e a hora da perseguição e da cruz. A proclamação do Evangelho está sempre ligada ao abraço duma cruz concreta. A luz suave da Palavra gera clareza nos corações disponíveis, e confusão e rejeição naqueles
que o não estão. Ora, a fim de ‘tirar algum proveito’ para a nossa vida sacerdotal, vêm- -me à mente duas reflexões. A primeira: a cruz do Senhor estava já presente antes do Seu nascimento: na perturbação de Maria ao ouvir o anúncio do Anjo; nas insónias de José, sentindo-se obrigado a abandonar a sua esposa prometida; na perseguição de Herodes e nas agruras sofridas pela Sagrada Família. Esta realidade abre-nos ao mistério da cruz experimentada antes. Faz-nos compreender que a cruz não é um facto ocasional, uma conjuntura na vida do Senhor. Porque abraçou Jesus a Paixão inteira: a traição e o abandono dos seus ami- gos, a prisão ilegal, o julgamento sumário, a sentença desproporcionada, a malvadez sem motivo das bofetadas e cuspidelas? Porque a cruz não tolera ambiguidade; com a cruz, não se regateia!
A segunda: é verdade que há algo na cruz que é parte integrante da nossa condição humana, mas é verdade também que há algo que não é inerente à nossa fragilidade, que é a dentada da serpente que, vendo o Crucificado indefeso, O morde e tenta envenenar e desacreditar toda a Sua obra. Dentada que procura imobilizar e tornar estéril e insignificante todo o ser- viço e sacrifício de amor pelos outros. É o veneno do maligno que continua a insistir: salva-te a ti mesmo. Nesta dentada, cruel e dolorosa, que pretende ser mortal, aparece finalmente o triunfo de Deus.”
“É verdade que, no anúncio do Evan- gelho, há cruz; mas é uma cruz que salva. Pacificada com o Sangue de Jesus, é uma cruz com a força da vitória de Cristo que vence o mal e nos liberta do maligno. Abra- çá-la com Jesus e como Ele, permite-nos discernir e repelir o veneno do escândalo com que o demónio procurará envenenar- -nos quando chegar, inesperadamente, uma cruz na nossa vida”.
Vigília Pascal
“‘Ele precede-vos a caminho da Ga- lileia; lá O vereis’ (Mc 16,7). Ir para a Galileia significa, antes de mais nada, recomeçar. Aqui está o primeiro anúncio de Páscoa que gostaria de deixar: é possível recomeçar sempre, porque há uma vida nova que Deus é capaz, independentemente de todos os nossos fracassos, de fazer reiniciar em nós. Deus pode construir uma obra de arte até a partir dos escombros do nosso coração; a partir mesmo dos pedaços arruinados da nossa humanidade, Deus prepara uma nova história. Ele sempre nos precede. E nestes meses sombrios de pandemia, ouçamos o Senhor ressuscitado que nos convida a recomeçar, a nunca perder a esperança.
Ir para a Galileia significa também percorrer caminhos novos, mover-se na direção oposta ao túmulo. Muitos vivem a ‘fé das recordações’, como se Jesus fosse uma personagem do passado. Ao contrá- rio, ir para a Galileia significa aprender que a fé, para estar viva, deve continuar a caminhar. Temos medo das surpresas de Deus, mas, hoje, o Senhor convida-nos a deixar-nos surpreender. Jesus não é uma personagem ultrapassada. Ele está vivo, aqui e agora. Caminha connosco todos os dias, na situação que estamos a viver, nos sonhos que trazemos dentro de nós.
Ir para a Galileia significa, além disso, ir aos confins. Porque a Galileia é o lugar mais distante, onde Jesus começou a Sua missão, dirigindo o anúncio aos excluídos. E, hoje, também é lá que o Ressuscitado pede aos Seus para irem. É o lugar da vida diária, são os caminhos que percorremos todos os dias, são os recantos das nossas cidades, onde o Senhor nos precede e Se torna presente”.
“Irmã, irmão, se nesta noite tens no coração uma hora escura, um dia que ainda não raiou, uma luz sepultada, um sonho despedaçado, abre o coração maravilhado ao anúncio da Páscoa: ‘Não tenhas medo, ressuscitou!’ E espera-O na Galileia”.
Domingo de Páscoa
“A pandemia está ainda em pleno de- senvolvimento; a crise social e económica é muito pesada, especialmente para os mais pobres; apesar disso – e é escanda- loso –, não cessam os conflitos armados e reforçam-se os arsenais militares. Nesta complexa realidade, o anúncio de Páscoa encerra em poucas palavras um aconteci- mento que dá a esperança: ‘O crucificado ressuscitou!’. E as chagas de Jesus ‘são a chancela perene do Seu amor por nós’. Não se trata de uma miragem”.
“Cristo ressuscitado é esperança para quem sofre devido à pandemia, para os doentes e para quem perdeu um ente querido, para os desempregados, para os médicos e enfermeiros. Um instrumento essencial nesta luta, são as vacinas. Por isso, exorto toda a comunidade internacional a um empenho comum para superar os atrasos na distribuição das doses e facilitar a sua partilha, especialmente com os países mais pobres”.
“À luz do Ressuscitado, os nossos so- frimentos são transfigurados. Onde havia morte, agora há vida; onde havia luto, agora há consolação. Ao abraçar a cruz, Jesus deu sentido aos nossos sofrimentos. Feliz Páscoa para todos!”