Caríssimo Padre,
A pandemia do Covid-19 não nos permite, este ano, realizar o encontro habitual e recomendado de Quinta-Feira Santa, com a Missa Crismal, seguida do almoço. Mas não posso deixar de, por este meio, transmitir-lhe uma palavra que exprima, mantenha e até reforce a comunhão que nos une e não pode ser condicionada por distâncias ou fronteiras de espécie alguma. Pelo contrário, é na ausência e separação que mais precisamos de sentir como é bom e como é belo viverem os irmãos bem unidos (Sl 133,1).
É muito mais do que uma necessidade meramente humana ou até cristã. Ela brota, para além disso, da nossa participação comum no sacerdócio ministerial de Jesus Cristo, que está no coração do encontro de Quinta-Feira Santa. Uma participação em que se insere a nossa comum pertença ao mesmo presbitério diocesano. Uma participação que faz de nós, à maneira de Cristo, simultaneamente sacerdotes e vítimas.
Sim, é também o nosso corpo e, com ele, toda nossa vida que, no momento central da Eucaristia, oferecemos com as palavras de Cristo que brotam dos nossos lábios e do nosso coração: «Isto é o meu corpo que será entregue por vós». Uma entrega que, no nosso dia-a-dia, se concretiza na dedicação aos outros, incluindo necessariamente os que pertencem à mesma família sacerdotal. Não imagina a alegria que sinto quando vejo esta entrega a realizar-se. Aliás, muitas vezes o digo aos fiéis, nomeadamente nas visitas pastorais: «A maior alegria que me podem dar é dizerem bem do(s) vosso(s) Pároco(s)».
Não podemos, nesta Quinta-Feira, sentir, de modo fisicamente presencial, a comunhão que nasce e vive desta entrega. Mas procuremos pô-la em prática, neste e noutros dias, de muitos outros modos, designadamente através das redes sociais, como certamente todos já estamos a fazer. Uma simples troca de informações, um desabafo em situações de tristeza ou alegria, uma comunicação de experiências e vivências… Nunca, como nesta situação de isolamento social, tudo isso foi tão precioso. E é em situações como esta que mais sentimos o chamado “poder performativo” da palavra, em que ela se torna acção, realiza o que exprime.
Queira Deus que, deste e outros modos, a privação, a que estamos sujeitos nesta Quinta-Feira Santa, acabe por redundar num bem, o maior bem: o de partilharmos a vida na comunhão que nos une. É nisso que, afinal, consiste o mistério pascal: a privação ou perda da vida, que Jesus Cristo transformou na sua total oferta, aquela em que nos amou até à consumação, na cruz (cf. Jo 13,1; 19,30) – um amor que lhe abriu as portas do sepulcro e o fez mediador único do perdão e da paz (cf. Jo 20), que tem na comunhão fraterna a sua expressão privilegiada. Que Ele, o crucificado ressuscitado, nos encha dessa alegria: a que nasce e se alimenta do ensino dos Apóstolos, a comunhão, a fracção do pão e as orações (Act 2,42). E tudo isto, no presente e futuro do nosso Presbitério diocesano.
É nesse sentido que lhe desejo uma feliz e santa Páscoa.
Viana do Castelo, 8 de Abril de 2020
(véspera da Quinta-Feira Santa)
† Anacleto Oliveira
(Bispo de Viana do Castelo)