Os cristãos iraquianos esperavam pelo Papa há 22 anos (eram, então, três vezes mais), desde que S. João Paulo II queria iniciar uma peregrinação aos lugares santos em Ur, a terra natal de Abraão, o pai comum reconhecido por judeus, cristãos e muçulmanos. Devido a uma guerra ruinosa e a graves sanções internacionais, a viagem não foi autorizada pelo Iraque. Depois da invasão de 2003, o que restava do país foi devastado pelo terrorismo até que, em 2014, o mundo assistiu à ascensão do autoproclamado Estado Islâmico (Da’ish) e à sucessão de perseguições cruéis, violência brutal, destruição cega. A população indefesa e profundamente dividida em fações étnicas e religiosas, pagou um preço incalculável em vidas, cultura, património e sofrimento, muito sofrimento.
Apesar dos riscos ligados à pandemia e à segurança, Francisco, fiel à necessidade de mostrar proximidade a quem sofre e de favorecer processos de reconciliação, de reconstrução e de paz, quis retomar as viagens precisamente pelo Iraque, com a intenção de se encontrar com aqueles cristãos isolados, de colocar o país nas primeiras páginas do mundo e de estender a mão aos irmãos muçulmanos.
Ao encontrar-se com o Presidente, o Primeiro Ministro e autoridades civis e diplomáticas, afirmou estar ali “como penitente que pede perdão ao Céu e aos irmãos por tanta destruição e crueldade”, e apelou para que “cessem violências, extremismos, fações, intolerâncias” e que se dê “voz aos artífices da paz, aos humildes, aos pobres, ao povo simples que quer viver, trabalhar e rezar em paz!”.
Na Catedral sírio-católica de Nossa Senhora da Salvação, em Bagdad (capital do Iraque), onde muitos morreram num ataque terrorista há 10 anos, o Papa esteve com Bispos, sacerdotes, religiosos, seminaristas e catequistas, a quem dirigiu palavras de proximidade, de esperança, de unidade e de apelo ao testemunho e ao zelo pastoral, lembrando que os jovens são o seu “tesouro e que é preciso cuidar deles, alimentando os seus sonhos, acompanhando o seu caminho, aumentando a sua esperança”, apesar das “carências do povo de Deus e dos árduos desafios pastorais que enfrentais diariamente”.
Um dos momentos mais altos da viagem foi o histórico encontro com o Grande Ayatollah Ali Al-Sistani, o maior ponto de referência religioso, teológico e jurídico para os muçulmanos xiitas no Iraque, e não só. O Santo Padre sublinhou a “importância da colaboração e da amizade entre as comunidades religiosas para que, cultivando o respeito mútuo e o diálogo, se possa contribuir para o bem do Iraque, da região, de toda a humanidade”. Por seu turno, Al-Sistani referiu-se ao “papel que os grandes líderes religiosos e espirituais deveriam desempenhar em frear as tragédias e dar prioridade à razão e à sabedoria, e rejeitar a linguagem da guerra”, empenhando-se em garantir que os povos vivam “em liberdade e dignidade, os valores da harmonia, da convivência pacífica e da solidariedade humana, baseados na promoção dos direitos e no respeito mútuo entre os seguidores de diferentes religiões e tendências”.
Em Ur, terra de Abraão, pai das três religiões monoteístas, Francisco participou no importantíssimo encontro dos líderes religiosos para uma mensagem comum de paz: “Quem acredita em Deus não tem inimigos para combater”. Disse o Papa: “Nós, irmãos e irmãs de diversas religiões, encontramo-nos aqui, em casa, e a partir daqui, juntos, queremos empenhar-nos para que se realize o sonho de Deus: que a família humana se torne hospitaleira e acolhedora para com todos os seus filhos; que, olhando o mesmo céu, caminhe em paz sobre a mesma terra.” A paz, afirmou, “não exige vencedores nem vencidos, mas irmãos e irmãs que, não obstante as incompreensões e as feridas do passado, passem do conflito à unidade”.
No último compromisso público, que reuniu apenas 10 mil pessoas por causa da pandemia, Francisco presidiu à Eucaristia, no Estádio Franso Hariri, em Erbil. Na homilia, disse que “com a força de Cristo e do Espírito Santo, conseguimos tornar-nos instrumentos da paz de Deus e da Sua misericórdia, artífices pacientes e corajosos de uma nova ordem social. Comunidades cristãs formadas por pessoas humildes e simples, como acontece na Igreja no Iraque, testemunham que o Evangelho tem o poder de mudar a vida. E é com o poder da Ressurreição e os olhos da fé, que o Senhor promete fazer-nos ressurgir das ruínas causadas pela injustiça, a divisão e o ódio”.
Ao despedir-se, o Papa afirmou: “O Iraque ficará sempre comigo, no meu coração. Peço a todos, queridos irmãos e irmãs, que trabalhem juntos e unidos por um futuro de paz e prosperidade que não deixe ninguém para trás, nem discrimine ninguém.”