III
O Getsémani (Mt 26, 30-56)
- Lectio: que diz o texto bíblico em si?
O rito da ceia pascal judaica terminava com o cântico dos salmos 113 a 118, conhecidos como o Hallel. Por este motivo, consideramos que a terceira secção do relato da Paixão em São Mateus, ou seja, a secção do Getsémani, começa em Mt 26,30. Os 27 versículos que compõe o texto que hoje lemos e meditamos dividem-se em três partes: o anúncio do abandono dos discípulos e da negação de Pedro (Mt 26, 30-35), a oração de Jesus no Getsémani (Mt 26, 36-46) e a prisão de Jesus (Mt 26, 47-46). “Escusado será dizer que o episódio de Jesus no Getsémani é de grande importância para compreender a Paixão que se segue.” (Bruno Maggioni)
O anúncio do abandono dos discípulos e da negação de Pedro (Mt 26, 30-35)
Esta primeira cena serve de transição entre a última ceia e a oração de Jesus no Getsémani. Como é característico em São Mateus, Jesus apresenta-se com plena consciência de tudo quanto vai acontecer. Cristo anuncia o abandono de todos os discípulos, aludindo à profecia de Zacarias 16,7. No entanto, a deserção não será a última palavra. Jesus também anuncia a sua ressurreição e aparição na Galileia, o lugar onde começou a sua vida pública e onde a resposta dos discípulos foi generosa. Cristo anuncia o abandono dos seus discípulos. Mas o mal, não terá a última palavra. Com a ressurreição, há a possibilidade de um novo recomeço após a queda. O pecado não é a última palavra e também pode ter o seu lugar na história da salvação. Ante a advertência de Jesus, Pedro em vez de humildemente se acautelar, orgulhosamente e com ilusões de impecabilidade, não aceita a advertência de Jesus. Ante esta reação do apóstolo, Jesus anuncia a tripla traição de Pedro essa mesma noite, antes que o galo cante. No entanto, nem assim o Príncipe dos Apóstolos adota uma posição de humilde realismo, mas insiste que não negará Cristo, mesmo que isso lhe cause a morte.
A oração de Jesus no Getsémani (Mt 26, 36-46)
Chegados ao Getsémani, Jesus toma consigo, Pedro, Tiago e João, os mesmos discípulos que o acompanharam no monte da transfiguração (Cf. Mt 17, 1) e que por isso deviam estar mais preparados para enfrentar esta hora. A estes discípulos, Jesus, entristecido e angustiado, recomenda a oração e a vigilância. E como se as palavras não bastassem, também os incita à oração com o seu exemplo: “Meu Pai, se é possível afaste-se de mim este cálice. No entanto, não seja como Eu quero, mas como Tu queres.” Este episódio revela a humanidade de Jesus e a sua condição filial e obediente ao Pai. Além disso, tem uma forte dimensão eclesial. A forma como Jesus enfrentou a hora da provação é modelar para os discípulos de todos os tempos e lugares. Na sua oração, que se inicia com um lamento, Jesus reza o seu próprio Pai-Nosso, pondo em evidência algumas características da oração cristã: persistência, confiança, sinceridade e generosidade. Persistência, porque repete por três vezes a sua oração. Confiança, porque se dirige a Deus como “Meu Pai”. Sinceridade, porque sem teatros nem máscaras apresenta a sua dor: “Se é possível afaste-se de mim este cálice.” Generosidade, porque termina entregando-se à vontade de Deus “faça-se a tua vontade!”, não reza para que se cumpra a sua vontade, mas para que a vontade de Deus se cumpra.
Contudo, os discípulos não seguem as advertências de Jesus acerca da vigilância e da oração. Adormecendo, não rezam nem vigiam e deixam Cristo sozinho. Cristo adverte-os, novamente, que só pelo caminho da oração e da vigilância, poderão sair vencedores da hora da tentação, mas nem com esta segunda advertência oram e vigiam.
Após a sua terceira oração, Jesus volta para junto dos seus discípulos transformado. Os problemas não desapareceram, mas “a oração confiante tornou-o desperto e vigilante para a hora decisiva que se aproxima” (Donald Senior), e por isso apresenta-se com uma majestosa decisão.
A prisão de Jesus (Mt 26, 47-46)
A terceira e última parte do texto que meditamos apresenta a prisão de Jesus, desencadeada pela traição de Judas, e a deserção dos discípulos, após uma reação violenta. Esta cena apresenta três atitudes incorretas dos discípulos: traição, violência e abandono.
Judas, acompanhado por muita gente armada, entra em cena enquanto Jesus falava e aproximando-se dele beija-o. Com um beijo, sinal de amizade, Judas identifica Jesus aos que tinham vindo com ele, para que o possam prender. Como não nos recordarmos do tema dos beijos traidores na bíblia (Pr 27,6; Gn 33,4; 2 Sm 15, 5; Pr7, 13; Sir 29,5) e do lamento do Salmo 55? O beijo de Judas passou à história como o sinal da traição, convidando-nos a examinar as intenções dos nossos gestos. Até os gestos mais santos praticados com intenções perversas são traidores. Ante este cenário de traição, “Jesus dirige-se a Judas como um amigo, mesmo se ele o trai e viola cruelmente o vínculo de amor e respeito entre o mestre e o discípulo.” (Donald Senior) A sua pergunta é um convite ao arrependimento de Judas.
À traição de Judas e à prisão de Jesus, um dos presentes responde com violência, pegando numa espada e ferindo um dos presentes. Jesus não hesita em contestar o uso da violência. “Jesus recusa a tentação zelota que convida à violência: aquela de Jesus é a via da cruz, não da violência e da força.” (Bruno Maggioni) Com esta atitude, Jesus mostra uma coerência extrema com o solicitado aos discípulos no discurso da montanha (cf. Mt 5, 38-48)
Após Jesus reafirmar que tudo o que se estava a passar era para se cumprir as escrituras, os discípulos abandonam-no e fogem. Uma anotação sóbria, mas dramática. Jesus permanece fiel até ao fim e não deserta. Por sua vez, os discípulos abandonam-no e fogem.
2. Meditatio: que me diz o Senhor com este texto bíblico?
- a) “Nesta mesma noite, todos ficarão perturbados por minha causa […] mas, depois da minha ressurreição, hei de preceder-vos na Galileia.”
i) “O perdão significa que os nossos pecados podem ter o seu lugar no nosso caminho para Deus. Nenhuma falha tem de ser um beco sem saída. […] O perdão significa que podemos contar uma história que conduz a algum lado: à felicidade.” (Timothy Radcliffe) O que significa isto no meu caso?
- b) “Meu Pai, se é possível, afaste-se de mim este cálice. No entanto, não seja como eu quero, mas como Tu queres.”
i) A quem recorro nos momentos de tristeza e angústia? Como é a minha oração? Rezo para que Deus cumpra os meus caprichos ou para conhecer a vontade de Deus e ter a força necessária para a pôr em prática?
- c) “Amigo, a que vieste?”
i) Atuo sempre com intenção reta? Já traí alguém? Como? Porquê? Já fui traído? Como respondi? Com perdão ou com violência?
3. Oratio: que digo ao Senhor, em resposta à sua Palavra?
Senhor Jesus,
OBRIGADO pelo teu exemplo de oração. Contigo aprendo a enfrentar o momento duro da prova entregando-me ao Pai com perseverança, confiança, sinceridade e generosidade.
DESCULPA todas as minhas traições, violências e abandonos. Por todas as vezes que não agi com intenção pura, por todas as vezes que reagi com brutalidade e por todas as vezes que deixei sozinhos aqueles que mais necessitavam: Cristo, misericórdia!
AJUDA-ME nos meus momentos de tristeza e angústia. Fica junto de mim e faz-me compreender que “Deus não nos salva da cruz, mas na cruz. Não nos salva do sofrimento, mas no sofrimento, não nos protege da dor, mas nas dores.” (Dietrich Bonhoeffer)
4. Actio: que decisão concreta me convida a tomar a Palavra que escutei, meditei e rezei?
Vou entrar numa igreja e ajoelhar-me diante do Santíssimo Sacramento e aí, pensando nalguma situação que me angustia, repetirei as palavras de Jesus: “Meu Pai, se é possível, afaste-se de mim este cálice. No entanto, não seja como eu quero, mas como Tu queres.